UM JULGAMENTO – DEPOIS DO INIMIGO DO POVO : CONEXÃO DRAMATÚRGICA E RECONSTRUÇÃO FÍLMICA SOB IRRADIANTE COMPASSO DE DUAS LINGUAGENS ARTÍSTICAS

Um Julgamento - Depois do Inimigo do Povo. Christiane Jatahy /Direção Concepcional. Outubro/2025. Caio Lírio/Fotos.


Uma diferencial releitura à luz da realidade brasileira transmuta a emblemática obra do norueguês Henrik Ibsen – Um Inimigo do Povo – numa das mais surpreendentes representações da temporada teatral 2025, sob o signo da volta do ator Wagner Moura aos palcos, quase duas décadas após sua dedicação exclusiva à performance cinematográfica,

E foi a partir do encontro da diretora Christiane Jatahy com Wagner Moura que surgiu o ideário da peça Um Julgamento – Depois do Inimigo do Povo num especular conceitual de ficção e realismo, trazendo sua ambientação narrativa norueguesa do  século XIX, de uma pequena província para uma região do interior brasileiro de hoje. Em reconfiguração dramatúrgica tríplice, incluindo o reconhecido roteirista Lucas Paraizo.

No caso, um balneário turístico fator econômico fundamental para manutenção social de seus habitantes e que, diante da acusação  de que suas águas teriam se tornado poluídas, sob denúncia levantada pelo  médico e irmão do prefeito, coloca-os em confronto, usando ambos a nominação original da peça de Ibsen.

De um lado o bravo Thomas Stockman (Wagner Moura), como um médico dublê de cientista, questionando a qualidade sanitária do balneário e, de outro, o conservadorismo de seu irmão e prefeito Peter Stockman (Danilo Grangheia) não admitindo o referido diagnóstico ecológico, pelo temor de que a comunidade vá à falência com o fim da maior fonte de renda local.


Um Julgamento-Depois do Inimigo do Povo. Christiane Jatahy/Wagner Moura/Lucas Paraizo/Dramaturgia. Outubro/2025. Caio Lírio/Fotos.


O que entre recíprocas apontações de culpa conduz a situação a um julgamento num tribunal onde se defrontam o acusado tornado réu - Thomas Stockman – e seu irmão prefeito da comunidade – Peter Stockman, diante de um júri integrado por Petra Stockman (Julia Bernat) filha do indiciado e, ao mesmo tempo, atuando  na defesa como sua advogada.

Sendo estes os personagens protagonistas, ao lado da intervenção, vez por outra, entre depoimentos presenciais ou audio visuais mostrados num telão frontal, mais a participação no palco de 12 integrantes da plateia escolhidos como jurados. Numa concepção cenográfica (Thomas Walgrave) que transforma a caixa cênica num tribunal de júri diante do público que compõe sua audiência.

O palco, pragmaticamente assim configurado, quebra os limites da quarta parede, entre a verdade e o imaginário, entre a representação e a realidade, indo mais longe ainda, pela concepção direcional de Christiane Jatahy com a ressignificação do uso habitual dos elementos que compõe uma performance teatral, processo inventivo  que tem sinalizado sua  estética dramatúrgica.

Luzes propositalmente vazadas, em dúplice ofício do cenógrafo Thomas Walgrave, sem qualquer graduação de suas tonalidades, salvo no epílogo com o incisivo monólogo de Wagner Moura, este revelando sempre uma força rompante, cativante e humana em seu papel.

Nenhuma interveniência de ruídos sonoros ou acordes musicais, além de figurinos (Marina Franco) assumidamente cotidianos, salvo o do réu e o do acusador, subliminarmente, mais cerimoniosos segundo o costume juridico.

Sem deixar de referenciar aqui o significativo encontro de duas linguagens artísticas - o cinema e o teatro. Não só  através de projeções fílmicas pré-gravadas como pelo uso de câmeras presenciais que propiciam uma conexão documental imediata com o universo das plataformas digitais. Ampliando, assim, as perspectivas para tornar mais verista a coesiva integração palco/plateia direcionada ao veredito final.

Um Julgamento – Depois do Inimigo do Povo traz sólida estrutura interpretativa, sob a exponencial atuação de   um elenco de craques (Wagner Moura, Danilo Grangheia,Julia Bernat), resultado do empenho sempre vanguardista da direção-concepcional de Christiane Jatahay, em seu convicto propósito por um teatro desentorpecedor.

Consistente como espetáculo, ao priorizar seu intencionalismo crítico e sua missão esclarecedora contra todas as formas de retrocesso na contemporaneidade, pela corajosa autencidade, afinal, de sua promoção reflexiva do encontro entre o teatro e a vida...

 

                                            
                                              Wagner Corrêa de Araújo

   


Um Julgamento - Depois do Inimigo do Povo, pós instantâneas e concorridas temporadas apenas em Salvador e no CCBB/RJ, cria expectativas para uma volta ao cartaz, ampliando seu circuito de representação Brasil afora.

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