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Noel Coisa Nossa. Geraldo Carneiro/Dramaturgia. Cacá Mourthé/Direção. Setembro/2023. Fotos/Cris Granato/Priscila Prade. |
Volta e meia são apresentadas óperas sob formato de concerto
cênico nos palcos clássicos tradicionais. O que se de um lado prescinde dos
elementos estéticos do grande espetáculo, por outro é capaz de fascinar quando consegue preencher o vazio da caixa cênica com uma interpretação musical que nada deixa
a desejar.
Esta referência pode ser aplicada ao teatro musical encenado
apenas com a priorização de uma brilhante performance vocal aliada à boa representação
dramatúrgica, o que de maneira alguma afasta o público quando estes elementos
alcançam além do que poderia ser significante em sua despretensiosa expectativa.
E este é o caso de Noel
Coisa Nossa que através de um texto lúdico, ironicamente bem humorado e
inteligente do acadêmico Geraldo Carneiro, sabe como bem falar da breve
trajetória de um músico e compositor instigador de signos comportamentais marcantes na história
do samba e da música popular brasileira.
Há exatamente um século este personagem da vida real tinha se tornado um contumaz seguidor da
boêmia, das conversas de botequim, do molejo dançante dos cabarés e das noites
mal dormidas, compensadas por paixões amorosas mal vistas ao desafiarem os
padrões morais da tradicional família carioca.
E para captar esse clima em compasso teatral, de musicalidade e feliz malandragem, são cinco atores/cantores/músicos que se revezam contando histórias sob a competente direção concepcional/dramatúrgica de Cacá Mourthé. Que soube como usar dos artifícios cênicos e atorais de uma pequena e talentosa trupe de intérpretes para fazer deste espetáculo quase camerístico, comandado musicalmente às alturas por Alfredo Del-Penho, uma envolvente surpresa da temporada.
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Noel. Alfredo Del-Penho/Direção Musical. Fabio Enriquez e Alfredo Del-Penho, em dúplice protagonização titular. Setembro/2023. Fotos/Cris Granato/Priscila Prade. |
Extensiva, com plena evidência, à participação criativa do
coreógrafo Renato Vieira imprimindo o típico
gingado gestual à corporeidade dançante do elenco, na pulsão do samba de breque dos botequins e do ritmo
das gafieiras e cabarés da Lapa. Numa ambientação minimalista cenográfica e
indumentária (Ronald Teixeira), onde são projetadas fotos e esboços gráficos que
fazem o espectador mergulhar metaforicamente no clima ancestral de um Rio que
virou apenas um retrato drummondiano na
parede.
Ampliando com os sutis efeitos luminares de Rodrigo Belay os
climas psicológicos proporcionados pelos versos líricos e satíricos das canções
que, depois de um período de esquecimento, se tornaram antológicas nas vozes
musicais de uma geração originária e de outra posterior.
Desfilando relatos novelescos sobre um energizado músico que
nem a ameaça fatalista de uma tuberculose incurável foi capaz de deter. E isto
tudo contado em tom de burlesca fabulação nas composições popularizadas, desde a
mais simples e cotidiana poesia ao sotaque de melancólico lirismo (A Última Canção) ou de ingênuo sarcasmo numa paródia melódica do Hino Nacional (Com que Roupa).
No esmero da originalidade performática de uma dúplice personificação
de um Noel de porte alto e elegante (por Alfredo Del-Penho) confrontado
por um outro Rosa (Fabio
Enriquez), na afinidade de uma menor estatura, assumidamente mais próximo do original, com força estelar identitária cantando o Gago Apaixonado. Ambos esbanjando um artesanal talento neste papel, numa completude absoluta como músicos e atores.
Sem nunca deixar lacunas nas convictas interveniências
cênicas de duas luminosas atrizes, cantoras e instrumentistas (Julie Wein e
Dani Camara) revivendo os personagens femininos de mãe, esposa, amantes e
prostitutas na vida de Noel. Sem esquecer também da estreia promissora, no
palco teatral, do jovem Matheus Pessanha, no papel das parcerias musicais e boêmias de quem viveu também sob o "feitiço da Vila Isabel", com a mesma "felicidade" de Noel e Antônio Nássara.
O belo ideário deste Noel Coisa Nossa, fruto do duplo
empenho produtor de Eduardo Barata e Marcelo Serrado, dá continuidade à missão
divulgadora (depois das telas com o filme biográfico de 2006 – Noel Poeta da Vila, de Ricardo Van Steen), de um legado artístico e de uma obra musical emblemática
por sua simbologia cultural. Que venham, assim, outras merecidas temporadas, repetindo
a das telas e das plataformas digitais na busca, desta vez presencialmente, após
os palcos cariocas, de mais sucesso em outras praças brasileiras...
Wagner Corrêa de Araújo
Noel Coisa Nossa esteve em cartaz, em curta temporada, no
Teatro Prudential/RJ, de quinta a domingo, de 31/08 a 24/09.
Puxa, essas resenhas deviam sair a tempo de corrermos para ver a peça.
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