Eu de Você. Direção Luiz Villaça. Com Denise Fraga. Fevereiro 2022. Fotos/Cacá Bernardes |
“Muitas vezes, estou em cena e me comovo com o próprio evento
teatral. Penso naquele pacto oculto entre nós, atores e público, quinhentas,
seiscentas pessoas, celulares desligados, o silencio coletivo, as risadas,
todos concentrados no mesmo ponto, conectados de verdade, num milagre de
presença...”(Denise Fraga).
No ideário do espetáculo Eu
de Você, o primeiro monólogo em palcos do Rio na trajetória teatral de
Denise Fraga, atriz carioca de nascença e paulista por adoção, há uma busca
inventiva de emoções interativas entre a intérprete e o público.
Ainda com as luzes acesas da plateia, a atriz aparece conversando
de máscara, numa proximidade intimista, com espectadores das primeiras filas. A espontaneidade é tão informal
que chega a confundir parte da plateia, se isto já seria ou não a própria peça.
Quebrada apenas quando esta, com um discricionário mas elegante figurino (Simone Mina), sobe ao palco, retira a
máscara e sua vocalização vigorosa se torna claramente perceptível.
E tudo acontece numa sequencial conexão de relatos veristas do cotidiano
de vidas comuns cruzando com histórias da própria atriz, sob variações substantivas em
primeira ou terceira pessoa, ao lado de apropriados recortes poéticos e
ficcionais, de Carlos Drummond e Clarice Lispector a Valter Hugo Mãe. Funcionalmente
reunidos num substancial roteiro de realização dúplice a partir de Denise Fraga e do diretor Luiz Villaça,
contando ainda com valioso aporte dramatúrgico de Rafael Gomes.
O que, em mágico processo especular, através de um incisivo apelo psicofísico da estelar performance de Denise Fraga, vai se transmutando num encontro de humanidades, ancorado no conceitual reflexivo da representação palco e plateia, atriz e espectador, exponencialmente conduzida pela direção de Luiz Villaça.
Em caixa cênica nua onde o único elemento material é uma cadeira mas que, aos poucos vai sendo preenchida, nas paredes frontais e laterais, por projeções faciais em proposta cinético/teatral (Simone Mina), com depoimentos reais de pessoas inspiradoras da tessitura dramática, sob ambientais gradações de luzes entre cores e sombras (Wagner Antônio).
Com personificações que sugestionam um sotaque de teatro
coreográfico em seu dimensionamento psicológico, sustentado por modulações
vocais e pela caracterização da fisicalidade dos personagens, na diversidade
das inúmeras situações dramáticas ou cômicas, desde as triviais às mais sarcásticas.
Em retratos de vida, de ansiedade ou de submissão, tristes ou
alegres, mas assumidamente assertivos sob um enfoque de sadio bom humor. Desde o empoderamento
de uma mulher negra escapando de um relacionamento opressivo com um homem branco,
à postura gay afirmativa de uma vitima masculina tendo uma súbita identificação
amorosa com o seu assaltante.
Ao lado de lembranças afetivas, da infância ao convívio
familiar da própria atriz, sobre a mãe com aptidões de nadadora ou o pai e seus dotes vocais. Sempre enunciadas com reflexões sobre a condição humana, como
mulher, como artista e como um ser politico/social engajado por sua visceral confiança
no poder do teatro.
Sugestionada emblematicamente neste “Eu de Você”, em oportuno e necessário desafio metafórico às
adversidades da atual e controvertida problemática de um país que é de todos
nós...
Wagner Corrêa de Araújo
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