FOTOS/ THIAGO SACRAMENTO |
Em 1910 o compositor Gustav
Mahler, finalmente, decide recorrer a Sigmund
Freud, deixando de lado seu descrédito e resistência à psicanálise, pelo
enfrentamento de uma onda de adversidades existenciais e sentimentos sombrios
que então o dominavam, numa pulsão crescente a partir de 1907.
Num triênio avassalador de infortúnios sequenciais que incluíam
a súbita morte de sua filha de 4 anos, a
perda da direção da Ópera de Viena e o diagnóstico de um sério mal cardíaco. Com o fator agravante de um possessivo ciúme, perturbador
do estável amor conjugal de oito anos com Alma Mahler,
levando-o inclusive à perda da libido.
Desconfiando, cada vez mais, de que a mulher de sua vida
continuava, outrossim, a inspirar, por seu talento musical (sufocado por preconceito
do marido compositor) e beleza fisica, o
assédio de outros artistas tais como o pintor Gustav Klimt, o arquiteto
da Bauhaus - Walter Gropius e o expressionista Oskar Kokoschka, tendo
ela vivido maritalmente com estes dois últimos após a morte de Mahler.
Acostumado à sensitiva reflexão especular em suas composições
do memorial familiar de amarguras e de
sua melancólica e precária psique, Gustav
Mahler acaba possibilitando, através de seu caso clínico, um retorno ao seu
conturbado passado. Sob a técnica da livre associação mental já então prevalente como método da análise freudiana.
No episódico encontro de apenas quatro horas com o mentor mor da Psicanálise, na cidade holandesa de Leiden, no verão de 1910, em única sessão de desabafo e consolo. Sem qualquer registro detalhista do teor da conversa e apenas alinhavada em breves anotações epistolares do próprio Freud e na descrição sumária de uma discípula sua (Marie Bonaparte).
No episódico encontro de apenas quatro horas com o mentor mor da Psicanálise, na cidade holandesa de Leiden, no verão de 1910, em única sessão de desabafo e consolo. Sem qualquer registro detalhista do teor da conversa e apenas alinhavada em breves anotações epistolares do próprio Freud e na descrição sumária de uma discípula sua (Marie Bonaparte).
Mas capaz de se tornar, no entremeio do imaginário dramático e
do substrato documentário, envolvente trama pelo experiente lavor autoral da dramaturga
e escritora Miriam Halfim, sob a titularidade de Freud e Mahler. Reunindo dois celebrados atores – Guiseppe Oristanio e Marcello Escorel, sob uma sempre investigativa
direção concepcional de Ary Coslov.
Numa narrativa fluente, de nuance confessional, que somatiza
a problemática existencialista de Mahler
(Marcello Escorel) ao universo psicanalítico de Freud (Giuseppe Oristanio). Em refinada escritura cênica que, a
partir do conflito de paixão entre Alma
e Gustav, viabiliza um registro comportamental
e cultural de um momento premonitório na gênese do século XX.
Extensivo ao contraste musical do romantismo tardio de Mahler
(com emblemáticas passagens de suas sinfonias) e o psicodelismo da sonoridade fusion (rock e eletroacústica) – do Tributo a Edgard Varese, por Frank Zappa, em potencializada
trilha por dúplice oficio de Ary Coslov.
Com recatada mas funcional paisagem cenográfica (Marcos Flaksman),
banco e telão frontal em alterativa transparência de projeções visuais e de simbológica
forma escultórica feminina. Sob um desenho de luzes (Paulo Cesar Medeiros), ora
vazadas ora focais, com marcações climáticas
das dialetações e solilóquios. Além de indumentária (Brunna Napoleão) contrastante
entre o coloquialismo e um discreto sugestionamento de época.
Numa veemente e emotiva performance de dois atores, com idêntico
grau de luminosidade, na expressão comum de díspares temperamentos e diferencial
representividade corporal. Sabendo Giuseppe Oristanio (Freud)
imprimir ao seu papel uma espontânea energia e sutil irreverência crítica como contraponto
à cativante irradiação dramática do desalento no personagem de Marcello Escorel
(Mahler).
E que no pleno domínio da autoridade cênica de Ary Coslov, além
dos antagônicos e precisos contornos psicofísicos dos dois personagens com um
prevalente subjetivismo temático, transcende seu espaço psicológico e seu tempo
histórico, com empático sustento fílmico, conectando o passado e o futuro. Em
espetáculo revelador na sua assumida concisão estética, sintonizado como um sólido
teatro de entretenimento e de reflexão.
Wagner Corrêa de Araújo
FREUD E MAHLER está em cartaz no Centro Cultural Justiça
Federal/Centro/RJ, quintas e sextas, às 19h. 70 minutos. Até 21 de
novembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário