FOTOS/MARINGAS MACIEL |
Há exatamente meio
século, Curitiba criava sua cia. oficial de dança o Balé Teatro Guaíra. Em cinco décadas, exemplarmente detalhadas nos
painéis e figurinos de uma exposição comemorativa, são lembrados os responsáveis
por torná-la um referencial de sobrevivência entre as mais antigas do país.
Marcada, em súbita particularidade dos seus anos 80, na força
ascensional da fama com o unanime aplauso do público e da crítica, no dinâmico substrato
coreográfico imprimido, ali, pela passagem direcional do coreógrafo português
Carlos Trincheiras.
Que, além da inclusão de obras mestras do repertório contemporâneo
internacional, deu a ela inventiva brasilidade em concepções autorais como a de
O Grande Circo Místico, inspirada num
poema de Jorge de Lima roteirizado por Naum Alves de Souza, com score musical
de Edu Lobo e letras de Chico Buarque de Holanda.
Enfrentando, também, as habituais crises de sustentação pelos
mecanismos estatais, agravados no engessamento a que são conduzidas nossas cias. públicas de dança, contextualizadas na limitativa similaridade burocrática das carreiras
funcionais. Mas que teve uma providencial saída no Balé Teatro Guaíra possibilitando
a transferência dos bailarinos, de maturidade sênior, para o G2
Cia de Dança, em fórmula aproximativa com a Nederlands Dans Theater – NDT III.
Concebido para três semanas e posterior turnê pelo interior
paranaense, o cinquentenário do BTG, inclui um tríptico coreográfico
através da retomada integral de A Sagração da Primavera (Olga Roriz), de
2012, Carmen (Luiz Fernando
Bongiovanni), 2016, e O Segundo Sopro
(Roseli Rodrigues), 1999.
A récita de abertura da temporada, além da sacre stravinskiana ao vivo, na portentosa
atuação da Sinfônica do Paraná com o elenco do BTG, teve, no prólogo, antológica
seleção de O Grande Circo Místico. Numa
espécie de mix cênico do original 1983 de C.Trincheiras com sutilizadas citações
da versão 2002, de Luis Arrieta, através de score sonoro gravado e figurinos
das duas montagens.
E no presencial de bailarinos desta última, como Regina
Kotaka e Wanderley Lopes, em convicta atuação no duo de Lily Brown, em significante tributo memorial à obra que mais marcou
a história do BTG. E que, nesta performance
fragmentária, naturalmente, acaba perdendo o impacto estético e a sequencia
composicional da coreografia vista in totum.
Mas é na segunda parte do espetáculo que há sólido alcance da
representação, no conluio absoluto entre uma potencializada, com mais de uma centena
de integrantes, Orquestra Sinfônica do
Paraná, sob a luminosa e carismática regência do maestro alemão Stefan
Geiger e um energizado elenco do Balé
Teatro Guaíra, dirigido por Cíntia Napoli.
Desde a cena inicial, no perceptível acerto da regência em
células rítmicas de vigoroso apelo sonoro, com prevalência das madeiras e
sopros sobre as cordas, provocando uma poderosa onda percussiva da massa
orquestral e empolgando, num élan coletivo, músicos, bailarinos e espectadores.
Sintonizados com a partitura executada com arrojo irrepreensível,
os bailarinos atiram-se no palco em pulsões frenéticas de coesivo movimento que
une os naipes masculino e feminino numa transcendente atemporalidade do
ancestral tribalismo russo, elemento conturbador na estreia de 1913.
Em paisagem cênica (Pedro Santiago Cal) minimalista, ocupada por
montículos de areia desfeitos em brumas sob luzes (Clemente Cuba), numa
indumentária (Pedro Santiago e Olga Roriz) cotidiana acentuando uma narrativa
metaforizada em espontânea, violenta e instintiva carga gestual/emotiva,
impulsionada por eletrificadas arritmias musicais.
Onde a trama original é transmutada, entre a poesia e o caos,
na celebração do espírito e do corpo, da vida e da morte, num jogo frenético de
psico-fisicalidade por Olga Roriz. Acentuado na dialetação do investir no protagonismo
do Sábio (Rene Sato), entre pausas e intervenções veementes, no entremeio das
nuances de visceral tensão do feminino na Eleita (Gloria Candemil), ora de submissão,
ora da sexualidade, para culminar na liberdade de entrega a uma postura
redentora.
Ainda que ali se encontrem traços remissivos a outras “sagrações”
como a de Pina Bausch, o ideário coreográfico de Olga Roriz, com o olhar armado
no hoje, fugindo à vitimização do feminino, particulariza-se em delirante
gramática cênico / corporal.
Concedendo à personagem
da Eleita a dimensão que ela deve ter em proposta reflexiva capaz de arrastar e
seduzir palco/platéia, a partir da exaustão corporal e do esgotamento do folêgo, irradiando,
assim, em ato ritualístico capitaneado
pelo Sábio, a sacralização da própria condição humana.
O Balé Teatro Guaíra – 50 Anos está em cartaz no Teatro
Guaíra/Curitiba, sexta e sábado, às 20h30m; domingo, às 19h. 90 minutos. Até 19 de maio,
seguindo em turnê pelo interior do Paraná.
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