FOTOS/JÚLIA RÓNAI |
Fruto do imaginário literário
espanhol do século XVII, a figura anacrônica e grotesca de um cavaleiro andante,
ultrapassou estes caracteres risíveis
de um anti-herói. E, assim, assumiu uma metafórica definição da própria trajetória da condição humana, entre o sonho e
a realidade.
Estreada em 1910, esta isolada incursão operística nas
aventuras quixotescas , não alcançou a mesma dimensão das outras criações de
Jules Massenet a partir do universo livresco, como Manon, Werther e Thaís.
Fruto dos derradeiros anos do compositor, Don Quichotte ( no original francês)
atendia a dois propósitos . O entusiasmo pela sequencia de suas estreias em Monte Carlo e a dedicação da obra
ao inolvidável talento cênico e vocal do baixo/barítono russo Fiodor Chaliápin.
Tornando-se este , sem dúvida, o responsável maior pelo
êxito inicial, em detrimento da escrita musical não tão singular melodicamente e menos
popularizada. Constatada no seu raro
aparecimento no repertório dos grandes teatros e, naturalmente, em favor da arte de intérpretes da
tessitura baixos/barítonos na linhagem sucessória de Chaliápin, como, por exemplo, Nicolai
Ghiaurov.
Abrindo a temporada lírica
oficial , ao lado da partida artística dos 400 anos de morte de Cervantes,o Theatro Municipal retoma uma
brilhante produção paulista ( Theatro São Pedro), onde são exponenciais tanto a
concepção cenográfica, o naipe de intérpretes, como a régie e a condução musical.
Mais uma vez Nicolas Boni dá uma lição de bom gosto estético
no seu desenho de cenários (a partir das gravuras de Doré). Extensivo aos tons pasteis e barroquizantes dos figurinos de Fábio Namatame,
acentuados pelas luzes entre sombras de Ney Bonfante.
O elenco mostra-se ajustado, sempre revelando segurança e
equilíbrio, incluindo-se os papeis coadjuvantes(Roseane Soares,Marianna
Lima,Aníbal Mancini,André Rabello), sob a irretocável e sensível direção de Jorge Takla.
Enquanto este sabe conduzir às alturas o domínio cênico, o
timing e a magia da representação,o
maestro Luiz Fernando Malheiro imprime ritmo,
magnetismo e delicadeza(em especial nos
interlúdios sinfônicos) à OSTM. Acrescida de eficiente atuação do Coro e
envolvência nas cenas coreográficas(Nuria Castejón).
Graça, técnica e maturidade musical no Sancho Pança(barítono Eduardo
Amir),presença cênica,um eficaz crescendo e
iluminação vocal em Dulcinéia (mezzo soprano Luiza Francesconi).
Além da densidade dramática,
verossimilhança física e apurado fraseado na protagonização titular do baixo
Gregory Reinhardt.
Capaz, na empatia de
sua carismática performance, de remeter às imagens fílmicas(1932) eternizadas
de Chaliápin, no clássico expressionista de Pabst.
Wagner Corrêa de Araújo
(DON QUIXOTE fica em cartaz até o dia 22 de abril , no Theatro Municipal/RJ. Terça, às 20h; sexta, às 17h.)
Wagner Corrêa de Araújo
(DON QUIXOTE fica em cartaz até o dia 22 de abril , no Theatro Municipal/RJ. Terça, às 20h; sexta, às 17h.)
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