BALÉ FOLCLÓRICO DA BAHIA : A DANÇA AFRO-BRASILEIRA SOB UM IRRADIANTE COMPASSO ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE


A Dança Que Ninguém Vê / Balé Folclórico da Bahia. Vavá Botelho/Direção Geral. Agosto/2025. Célia Santos / Fotos. 


Desde sua memorável estreia abrindo o Festival de Dança de Joinville, no final dos anos oitenta, o Balé Folclórico da Bahia surpreendeu a crítica e o público por seu original dimensionamento estético imprimido ao legado coreográfico e musical afro-brasileiro.  

E é para celebrar seus 37 anos que a Cia está apresentando, em sua primeira grande temporada pelo Brasil afora, o espetáculo O Balé Que Você Não Vê, começando pelo Rio de Janeiro. Direcionado sempre pela artesanal competência de um de seus fundadores Walson Botelho ao lado de José Carlos Arandiba, reconhecidos, cada um deles, pelos apelidos de Vavá e Zebrinha.

Sempre aplaudido pela energizada e imersiva  envolvência  palco-plateia que alcança em todas as suas performances, de sua sede em Salvador à Bienal de Dança de Lyon (1994/1996). Não apenas pela peculiaridade de suas temáticas no entorno da cultura popular baiana, como pelo tratamento inventivo que assume em sua dramaturgia da corporeidade.

Trazendo, agora, neste programa quatro criações coreográficas Okan, 2.3.8, Bolero e Afixirê - concebidas, em ordem sequencial, por Nildinha Fonseca, Slim Mello, Carlos dos Santos e Rosangela Silvestre, para 17 bailarinos, acompanhados ao vivo por quatro instrumentistas e duas cantoras, sob a responsabilidade musical de José Ricardo Souza.


A Dança Que Ninguém Vê / Balé Folclórico da Bahia. José Carlos Arandiba-Zebrinha/Direção Artística. Agosto/2025. Célia Santos / Fotos. 


Onde a caixa cênica, em proposta minimalista, é preenchida basicamente pelo corpo dançante e pela alternância presencial do grupo vocal/instrumental, tendo como visão frontal projeções virtuais em movimento. 

Como a tipicidade fílmica de um trajeto em transporte cotidiano pelas periferias de Salvador, numa certa similaridade com os guetos nova-iorquinos, na obra de Slim Mello – 2.3.8.- intimista conhecedor residencial das duas ambiências.

Ou na plasticidade documental de preciosas gravuras e fotografias, priorizando a ancestralidade da raça africana, na coreografia Okan, de Nildinha Fonseca, fazendo um tributo à relevância e à resistência do feminino. Recorrendo ao papel atribuído à mulher pelas crenças mitológicas africanas, via sua titularidade inspirada nesta divindade conciliadora.

Ao lado do registro, no formato de um mural móvel, sobre personalidades marcantes da cultura negra brasileira e mundial, referenciadas no significativo simbólico de Afixirê, como uma festa da felicidade, pelo ideário de Rosangela Silvestre, sendo considerado um dos signos do repertório da Cia baiana de dança.

Todas estas obras ampliadas em seu recado de valoração da herança cultural e artística afro-brasileira por um aquarelado figurino numa diversidade autoral de cores vibrantes ressaltadas sob luzes vazadas (Marcos Souza), remetendo a cenas pictóricas de pintores baianos de ontem e de hoje.

Mas, sem dúvida alguma, o grande momento do espetáculo é a versão do Bolero, usando as linhas mestras da composição de Ravel, em que todos os elementos estéticos alcançam sua culminância na coreografia original de Carlos dos Santos, pela releitura por Vavá Botelho e Zebrinha.

Com uma sonoridade puramente percussiva abrindo a obra, entremeada pelos acordes originais de Ravel, numa surpreendente mix adaptação musical afro-brasileira de vigorosa tipicidade para teclados, programação e percussão, da lavra de Renato Neto.

Enquanto a corporeidade coreográfica, num enfoque cenográfico de subliminar proximidade com a maioria de suas mais populares versões, a partir do uso de tablado no qual um exponencial solista é circundado por bailarinos, se destaca na intensidade crescente de contrações musculares sincopadas, extensivas ao movimento aguçado de braços e pernas.

Além de sugestionar um elo de unicidade entre a tradição da dança popular característica e os avanços da contemporaneidade coreográfica, como se este reencontro singular com o Bolero de Ravel, integrando este Balé Que Você Não Vê, ressoasse, ali, em coesivo experimento emotivo tanto para os bailarinos como aos espectadores, pelo metafórico mistério gestual explicitado na magia das palavras de Clarice Lispector : 

"Não se compreende música : Ouve-se! Ouve-me então com teu corpo inteiro”...

 

                                               Wagner Corrêa de Araújo

 

O Balé Folclórico da Bahia abriu o MOVIRIO Festival 2025, no Teatro João Caetano/RJ, dias 22 e 23 de agosto, seguindo em extensa temporada nacional por diversas cidades brasileiras.

2 comentários: