SPCD/COR DO ARCO IRIS : AQUARELADO TRIBUTO COREOGRÁFICO AO MODERNISMO BRASILEIRO


SPCD / Desassossego, de Henrique Rodovalho. Junho/2022. Foto/Charles Lima.


‘’Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz”...a São Paulo Companhia de Dança faz das palavras do poeta maior Carlos Drummond, o emblema de sua Temporada 2022. Não só pela alegria do resgate dos palcos presenciais depois de um biênio pandêmico, mas também como um simbólico e oportuno  tributo aos cem anos da Semana de Arte Moderna.

Significativo para tempos de tantos desafetos causados pelo distanciamento obrigatório e de tamanho desalento enfrentado pela criação cultural do país, sob o crivo de equivocadas políticas oficiais. Não há, afinal, que se deixar de celebrar a brava resistência da SPCD, no sempre idealizador comando de Inês Bogéa, por esta vitoriosa retomada do fundamental contato palco/plateia, em espetáculos ao vivo, com a Orquestra do Theatro São Pedro, na refinada regência de Cláudio Cruz.

Em necessário projeto de exaltação memorial de um dos mais profícuos movimentos artísticos, através de inventiva incursão coreográfica pela obra de alguns de seus grandes mentores. Desde seu legado musical (Villa-Lobos, Mignone, Camargo Guarnieri) a expoentes de sua criação pictórica, das pinturas de Di Cavalcanti à iconografia indumentária de Flávio de Carvalho.

Partindo, inicialmente, de nossa tradição seresteira, numa retomada emotiva dos encontros e declarações dançantes de casais apaixonados, sob um compasso rítmico de valsas populares em noites enluaradas. Madrugada na concepção coreográfica de Antônio Gomes propicia, assim, delicadas e nostálgicas manifestações gestuais carregadas de recortes musicais que, certamente, pontuaram os melhores anos de encantamentos amorosos de qualquer um de nós.

Com os funcionais figurinos cotidianos de Fabio Namatame e as artesanais transcrições orquestrais das peças pianísticas de Francisco Mignone (por Rubens Ricciardi), ambientadas nos sugestivos efeitos luminares de Wagner Freire, levando a um clima psicofísico de magia e sonho.


SPCD/ Madrugada, de Antônio Gomes. Maio/2022. Foto/Charles Lima.


Referencial nome da dança contemporânea paulista, através de sua trajetória de bailarina/coreógrafa, Miriam Druwe imprime um particular estilo às suas criações voltadas para a releitura dançante da obra de artistas plásticos como Dali, Tarsila e, agora, Di Cavalcanti. Seu Di incursiona pelas paisagens e tipos característicos da realidade urbana carioca, através das projeções visuais de suas telas em dinâmica e interativa frontalidade com os bailarinos participantes da obra.

Numa carismática fusão de corpos, com traços indicativos da indumentária pictórica (Fabio Namatame) e nas inventivas intervenções digitais de luzes cinéticas (Wagner Freire) na caixa cênica, levando ao alcance de uma singular brasilidade, ampliada na envolvência dos acordes melódicos/percussivos dos Choros nº 6 de Villa-Lobos.

O programa 2 inclui Infinitos Traçados (2021) como a segunda obra não inédita, ao lado de Madrugada, trazendo um efusivo recurso das concepções virtuais, com simultânea participação à distancia, numa criação coletiva pelo conluio propulsor de 3 coreógrafos, 8 bailarinos, 8 músicos, em energizada performance e envolvente concepção direcional de William Pereira. Intercambiando visões diferenciais, em processo digital, de artistas canadenses, uruguaios e alemães ao lado dos brasileiros sediados no exterior, numa reveladora convergência estética de múltiplos talentos direcionados à SPCD.

Já na última criação de Henrique Rodovalho, intitulada muito a propósito de Desassossegos, há um mergulho profundo e provocativo em novas descobertas na dinâmica de corpos em potencializada conexão. Além da alusão modernista, nos traços gráficos das imaginárias figurações originais de Flávio de Carvalho para A Cangaceira, na histórica Cia de Balé do IV Centenário.  

Capaz, em visceral vocabulário do movimento, de desafiar aqueles momentos do inquieto desassossego que tomou conta dos artistas diante do período pandêmico e das adversidades financeiras e ideológicas na luta pela sobrevivência da criação cultural.

Enquanto a composição musical de David Lang completa o ideário inovador de um vocabulário do movimento onde as contrações musculares e fragmentárias de sete bailarinas, na intensidade de suas performances solistas ou grupais, fazem despertar um sopro de superativa fé em meio às trevas.


                                        Wagner Corrêa de Araújo


SPCD/ Di, coreografia de Miriam Druwe. Maio/2022. Foto/Charles Lima.

Os programas 1 e 2 da Temporada 2022 da SPCD foram apresentados entre os dias 26 de maio e 05 de Junho, no Theatro São Pedro/SP. 

 

Um comentário:

Mônica Ávila disse...

Destes, "Di" é o mais lindo!

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