FRANÇOIS TRUFFAUT – O CINEMA É MINHA VIDA : POESIA E VERDADE EM PEÇA-FILME

FOTOS/ANTONIO SCORZA

Segunda experiência cênico-fílmica de uma investigativa incursão às fronteiras interativas do cinema e do teatro, conectada a outros recursos artísticos e literários, François Truffaut – O Cinema é Minha Vida, traz novamente a atriz Patrícia Niedermeier numa performance protagonista, agora sob o dúplice olhar cinético-dramatúrgico de Rodrigo Fonseca e Cavi Borges.

Enquanto o crítico cinematográfico (Rodrigo Fonseca) assina o roteiro e divide com o cineasta (Cavi Borges) a direção concepcional do espetáculo (incluída a participação criativa de Patricia Niedermeier) em prevalente formato de um monólogo confessional e documentário. Inspirado no legado de um dos mais celebrados cineastas franceses, a partir de extratos de seus escritos e recortes antológicos de alguns de seus principais filmes.

Com um singular dimensionamento estético desde a especificidade do espaço de sua representação – uma pequena sala de cinema com menos de 30 lugares – à formatação de sua proposta numa caixa cênica capaz de fundir a  imersão corporal da atriz com as imagens vistas na tela e, vice-versa, através destes personagens que ela transmuta com força emotiva e competência atoral.

Assim, Patrícia Niedermeier é, ao mesmo tempo, a personificação do ator Jean-Pierre Léaud em seu papel mítico de Antoine Doinel que é, simultaneamente, o alterego do adolescente Truffaut. Presencial num projeto cíclico, com subliminar referencial autobiográfico, desenvolvido em duas décadas através de pelo menos cinco obras capitais do cineasta francês, produzidas entre 1959/79.

Em fluente processo narrativo fundindo o aporte ficcional e o recorte verista, com perceptível naturalismo nas transições dos fotogramas preto e branco às tonalidades ocres do figurino masculino/feminino da intérprete. Emoldurada pelo telão frontal com interveniência minimalista de uma mesa-tablado e uma cadeira, sob cúmplice direção de arte (Victor Pusanovsky, Okada de Barros e Desirée Balster) com discricionários e suaves efeitos luminares (Luiz Paulo Nenen).

Numa poética pulsão que insere a intérprete nos filmes e faz, em emblemático conluio, o cineasta sair de trás das câmeras em jogo teatral vivo, com simultâneo round de posicionamentos performáticos para uma solista, sendo ela - a atriz (P.Niedermeier), o cineasta (F.Truffaut), o ator (J.P.Léaud) e o seu personagem (A.Doinel). Num conceitual cênico, entre o lúdico e o dialético, que envolve e atrai a cumplicidade tanto do espectador teatral como do cinéfilo.

Emanando a absoluta adequação física de sua corporeidade de atriz/bailarina com o pleno domínio da performance, ligando a palavra ao gesto na exposição de um inventário dramático, sustentado ora pelo fraseado literário, ora pelo  coloquialismo vocal, sendo intermediada por projeções visuais no telão.

Onde a uniformidade da linhagem interpretativa em modulação solo é fissurada apenas na proximidade do epílogo. Quando um dos diretores da peça (Rodrigo Fonseca) surge dos bastidores e invade o proscênio, como uma segunda voz e um segundo corpo, numa aposta de cine/teatro documentário.

Atuando, senão como o próprio, na incorporação de seu papel como critico no palco da vida, em convicto desempenho cênico num conceitual de metalinguagem, participando com seu habitual brilho como um dos entrevistadores, numa imaginária coletiva com François Truffaut na Cinemateca Francesa, em 1981.

Com técnica e emoção, espontaneidade e verdade interior, o conciso arcabouço do espetáculo é sintonizado sem a ostentação de artifícios sonoro-visuais para não deixar prevalecer a estética cinematográfica sobre a gramática teatral comandada a quatro mãos, num feliz acaso, por duas conhecidas personalidades do universo fílmico brasileiro (Rodrigo Fonseca e Cavi Borges).

Possibilitando ambos, o livre fluxo criador das duas linguagens, na simplicidade funcional de uma encenação direta, seca e didática, com original e revelador substrato cinético/dramático direcionado à apreensão reflexiva de um sólido exercício de arte e de vida por um prestidigitador mor das telas:

Faço filmes para tornar realidade meus sonhos de adolescente, para me fazer bem e, se possível, para os outros” (François Truffaut).

                                       Wagner Corrêa de Araújo


FRANÇOIS TRUFFAUT – O CINEMA É MINHA VIDA está em cartaz no Estação Botafogo (Sala Multiuso)/Botafogo. Sábados e domingos, às 20h. 60 minutos. Até 26 de janeiro.

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