O ANJO DO APOCALIPSE : IRREVERENTE FABULÁRIO DRAMATÚRGICO DE AMOR E DE GUERRA

FOTOS/ PABLO HENRIQUES

Tudo começou no Oriente Médio e tudo vai acabar no Oriente Médio" - funcionando  como uma epígrafe autoral de Clovis Levi para sua mais recente incursão dramatúrgica a que ele titulou, com referencial bíblico e contexto político, de O Anjo do Apocalipse e viabilizada cenicamente sob o comando diretorial de Marcus Alvisi. 

Na conexa unicidade dos quatro cavaleiros do Apocalipse no papel solo de um Anjo anunciador, transmutado  em irreverente e provocador personagem símbolo da secular guerra ideológica, com substrato religioso, entre cristãos, judeus e  muçulmanos.

Particularizada, com o olhar armado na contemporaneidade, num conflito sanguinário, sustentado por irreprimível onda de violência, no entremeio de invasões e atentados, nas imediações territoriais de Israel e da Palestina. 

Através do relato testemunhal do Anjo (Marcello Escorel) sob compasso de atemporalidade, em torno dos encontros vivenciais e amorosos de um casal – o judeu Eliakim (Daniel Dalcin) e a palestina Zahra (Juliane Araújo) - redivivo de imemoriais épocas e ancestralidades bíblicas até o século XXI.

Por incisivo dimensionamento psicofísico e inquisidor processo dramático de revelações casuísticas do processo que os leva a uma pulsão emotivo/erótica, no ir e vir do apaixonar-se estando sempre em lados oponentes.

Onde o minimalismo dos recursos cênicos (José Dias) é preenchido pela envolvência dos efeitos luminares (Aurélio de Simoni) e nas marcações incidentais da trilha sonora (Alvisi e Joel Tavares). Presencial na corporeidade dos três atores em indumentárias básicas (Maria Duarte) que possibilitam sutis caracterizações de seus personagens no universo árabe/judeu.

Sabendo Marcello Escorel construir seu carismático personagem com sensorial gestualismo e rompante ironia, nas suas contestadoras dialetações bíblicas, enquanto seu desafio opinativo às ordenanças celestiais serve de lúdico e interativo contraponto palco/plateia.

Completada pela participação dos jovens atores Daniel Dalcin e Juliane Araújo, revelando sensível esforço para superar as eventuais fragilidades de um ofício em processo de maturação. Com unicidade performática e adequação física à exigente versatilidade dos seus respectivos papéis e mais convicta exploração dos contornos psicológicos na representação feminina.

Conduzindo a trama com empatia ao imprimir densidade rítmica às passagens de recortes oníricos, o direcionamento de Marcus Alvisi viabiliza uma performance sólida como investimento estético e consistente em sua intencionalidade crítica.

Tornando prevalente a cativante narrativa textual de Clovis Levi transubstanciada no sugestionar, em processo metafórico, a trajetória pânica da raça humana para uma era de irreversível irracionalidade. Onde o fratricídio, nos embates do fundamentalismo ideológico-religioso, transmuta o epílogo em instante de feroz amargor pela apocalíptica advertência do "anjo exterminador".

Sem deixar de referenciar, em subliminar metalinguagem, a extraterritorialidade desta culpa terminal. Na especular intolerância de um ideário de retrocesso e de obscurantismo, sob uma certa e insensata governabilidade...

                                           Wagner Corrêa de Araújo


O ANJO DO APOCALIPSE está em cartaz no Teatro Ipanema/RJ,sexta, sábado e segunda, às 20h.; domingo, às 19h. 90 minutos. Até 07 de outubro.

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