TEMPORADA PAULISTA – SUNSET BOULEVARD : LITURGIA ESTELAR EM MUSICAL NOIR

FOTOS/MARCOS MESQUITA

Quando Billy Wilder lançou seu filme Crepúsculo dos Deuses, no despontar da década de 50, tornou clássica a sua abordagem conceitual, de substrato noir, entre a ascensão, a apoteose e a decadência, do star system hollywoodiano. Numa produção que reunia nomes estelares como os de William Holden (Joe Gillis) e Erich Von Stroheim (Max) ao lado de Gloria Swanson, esta personificando Norma Desmond, musa do cinema silencioso, reclusa e no ostracismo após uma carreira  triunfal nas  telas.

Em 1993, o tema alcança os palcos, num musical londrino - Sunset Boulevard - de Andrew Lloyd Webber chegando à Broadway, no ano seguinte, em consagrada interpretação protagonista de Glenn Close, superior à da montagem original britânica. Enquanto, aqui, sua primeira versão brasileira, com direção de Fred Hanson, tem nos papéis principais Marisa Orth (Norma Desmond), Júlio Assad (Joe Gillis) e Daniel Boaventura (Max), além de  Lia Canineu (Betty Schaefer), esta como maior destaque de personagem coadjuvante.

Enfocando o desespero de uma atriz olvidada (Norma Desmond) na ânsia de, novamente, estar sob o brilho dos refletores cinematográficos, após ser fortuitamente redescoberta por um roteirista (Joe Gillis). Embora deixando-se levar por falso envolvimento amoroso e profissional, sob ambiciosa e exclusiva pretensão financeira do jovem. Delírio ampliado na provocação de ilusórias circunstâncias de prevalência da fama através de Max, o mordomo da lúgubre mansão situada na Sunset Boulevard.

A recriação brasileira se alinha à da mais recente remontagem americana, privilegiando em sua concepção cenográfica (Matt Kinley) os elementos plásticos referenciais do universo hollywoodiano, desde os antigos estúdios à reconstituição residencial, integralizado em dois planos moveis, priorizando a clássica escadaria do filme.

Tudo em clima noir em outro referencial da criação de Billy Wilder, extensível à elegante indumentária (Fause Haten), com turbantes e sedas, em tons mais solenes na protagonista mor, cinzentos em seu mordomo e mais cromáticos no juvenil casal de roteiristas. Com efeitos luminares (Cory Pattack) variáveis entre climatizações mais intimistas ou mais expansivas, à base de spotlights gerando resultados cinéticos.

Onde a partitura composicional revela-se a mais pretensiosa de Andrew Lloyd Webber, com recortes sinfônicos, vocalizações quase operísticas e acordes lembrando os grandiloquentes scores melodramáticos da fase áurea do cinema musical americano. Mas sem beirar, em momento algum, o alcance popular de canções mais marcantes de musicais de conotação similar como O Fantasma da Ópera.

Numa orquestra visível em cena, com expressivo número de integrantes, em harmoniosa execução, na segura conduta dos envolventes arranjos de Carlos Bauzys. Mesmo que, no naipe dos atores/cantores, o destaque vocal maior fique nas poucas entradas de Daniel Boaventura, um expert nos palcos do musical em moldes brasileiros.


Sem deixar de citar uma convicta atuação de Julio Assad, longe do alcance da tessitura lírica de Boaventura mas sem comprometer a performance de um personagem galante mas de dimensionamento malévolo. Não esquecendo, ainda,  as episódicas entradas em cena de Lia Canineu, com perceptível força ascensional, pela bela voz e envolvente presencial, para integrar, como solista, futuras montagens do gênero.

Em Marisa Orth sente-se falta de maior potencial convincente, como cantora, na comparação vocal com sua substituta Andrezza Massei (normalmente em única exibição semanal), capaz de impressionar mais nos cantares destinados ao papel de Norma Desmond, inclusive no isolado standard As If We Never Said Goodbye.

Se lhe falta maior completude como  intérprete musical, há que se ressaltar a razão do sucesso de Glenn Close na Broadway, grande por seu carisma de atriz e muito pouco devido à sua capacidade cantante. E mesmo que a Orth não seja tão notável quanto a Close no processo identificador com o élan mítico de Norma Desmond, isto, de forma alguma, desmerece a representação deste Sunset Boulevard.

De transcendente fidelidade qualitativa ao seu original cênico, mas deixando apenas de celebrar visceralmente, como meta linguagem, o que Edgar Morin chama de ritual litúrgico de divinização do mito estelar.  

                                           Wagner Corrêa de Araújo


SUNSET BOULEVARD está em cartaz no Teatro Santander/Shopping JK/SP, quintas e sextas , às 21h; sábados, às 17h e 21 h; domingos, às 15h e 19h. Duração 150 minutos. Até 07 de Julho.

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