CIRQUE DU SOLEIL – OVO : REINVENTANDO A VIDA DOS INSETOS


Pela primeira vez, em seus 35 anos (1984), a cia canadense Cirque du Soleil apostou numa produção, numa concepção e numa direção exclusivamente  feminina   e num título em português literal – Ovo - para uma performance-espetáculo.

Unindo num mesmo ideário estético a sua Diretora de Criação Teatral – Chantal Tremblay – e a diretora/ coreógrafa Deborah Colker, em abordagem temática, inusitada e original, do universo secreto dos insetos.

Recorrendo tanto aos mecanismos de criação artística circense, marca registrada deste celebrado grupo de atletas/artistas, acrobatas, malabaristas, trapezistas, palhaços e músicos, como às vertentes estéticas de dança contemporânea que notabilizaram a coreógrafa brasileira.

Num espetáculo em que os elementos tecno-cênicos  (Gringo Cardia) se constituem em completo encantamento para os olhos ao reproduzirem, em projeções cibernéticas, as trilhas e os esconderijos secretos dos insetos no verde tropical das florestas e nas grotas e grutas, entre pedras e formações minerais.

Contando também com o detalhismo preciosista do desenho de luz (Éric Champoux)  e com os singulares e aquarelados figurinos (Liz Vandal) para caracterização dos diferenciais e pequeninos seres animalizados, de ocultos recantos da natureza. 

Joaninhas, borboletas, libélulas, formigas, besouros, aranhas e grilos personificados numa trupe mentora de fisicalidades arriscadas entre vôos acrobáticos e malabarismos à beira de quedas, mas também capazes de se destacarem coreograficamente sob sonoridades tipicamente brasileiras.


Na autenticidade de sambas, frevos, maracatus, xaxados e até forrós com sotaque funkeado, em energizado score sonoro nativista de Berna Ceppas, capaz ainda de recortes new age como no inspirado pas-de-deux aéreo de borboletas em clima amoroso.

Ou nas divertidas acrobacias de formigas com kiwis e no militar alinhamento de besouros com couraças, na mobilidade de uma aranha contorcionista ou no processo de metamorfose física de uma libélula entre Nós alados, em claro referencial a um dos espetáculos coreográficos da Colker.

Mas então, aí, não há como fugir da constatação de que o Ovo cênico que os insetos carregam, em breves entradas e saídas, soa no sense para uma trama sem um substrato narrativo claro. E diante de uma prevalente proposta cênica de exibicionismo físico destes profissionais em acrobacia e atletismo circenses.

Havendo ainda longas e reiterativas cenas de palhaçaria incapazes de fazer rir ao se tornarem meramente gestuais e sem uma mais explicitada clareza na dialetação verbal com o universo sobre humano dos outros personagens.

Incidências que diminuem o impacto e a interatividade da representação. Estendendo-se ao imaginário do público, ao colocar sua emoção em processo de pausa, não só através da superficialidade no desenho dos personagens mas, principalmente, na contextualização temática.

O que, mesmo assim, entre estes perceptíveis senões,  não desmerece  o espetáculo, em sua integralidade, como surpresa e invenção no cruzamento de linguagens do circo, da dança e do teatro.

E que na envolvência da cena da escalada mural (em outra lembrança do inventário coreográfico de Deborah Colker) tem bravo alcance tanto no vigoroso acerto dos movimentos como na habilidade carismática de seus intérpretes tornando-se, sobremaneira, uma experiência estética compensadora.

                                               Wagner Corrêa de Araújo


CIRQUE DU SOLEIL – OVO está em cartaz na Arena Jeunesse, Barra da Tijuca, terça e quarta às 21h; quinta, sexta e sábado, às 17 e as 21h; domingo, às 14, 16 e 20h. 150 minutos. Até 31 de março.

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