TCHEKHOV É UM COGUMELO : SENSORIAL TRÍPTICO DRAMATÚRGICO


FOTOS/ANDRÉ GUERREIRO LOPES

Um singular  jogo dramatúrgico é desenvolvido através de sensorial uso dos elementos estéticos que integram a multi-proposta cênico/artística de Tchekhov é Um Cogumelo, sob o comando diretorial e conceptivo de André Guerreiro Lopes, para o Estúdio Lusco-Fusco celebrar seus dez anos.

Com aleatória ou até proposital similaridade, aqui, o oficio criativo se estrutura em trípticos paralelos, a partir de sua livre inspiração no clássico de Tchekhov -  As Três Irmãs e na convergência de linguagens artísticas como a performance teatral/coreográfica, o cinema documentário e a instalação plástica/ cinética /sonora.

A começar por suas três personagens titulares (Helena Ignez, Djin Sganzerla, Michele Metalon) ao lado da representação alterativa do trio coadjuvante, integrado pelo cantor Roberto Moura e pelos bailarinos Fernando Rocha e Samuel Kawalerski.

Numa mágica estrutura que se estende à sua narrativa temporal tripartida na trajetória existencial das três irmãs que, distanciando-se da textualidade original, tem um simbolismo conceitual no contraponto geracional de três mulheres.

Alcançando, ainda, neste desafio de contrários e das passagens de tempo, substrato referencial comparativo entre uma arrojada ideia de montagem de José Celso Martinez Corrêa para o Oficina em 1972 onde, no depoimento de 1995 para André Guerreiro Lopes, ele fala sobre os efeitos do uso da mescalina no processo investigativo e composicional da peça.

Retomado na presente remontagem em outra contextualização, através de soluções onírico / cientificas obtidas pela manipulação eletro/magnética, em tempo real cenográfico, de ondas sonoro/visuais do cérebro de André Guerreiro.

Capazes de provocar uma lúdica pulsão psicodélica palco/plateia, estabelecendo pontes entre os alucinógenos dos anos 70 e a neurociência da contemporaneidade, além de sua potencialização catártica no transubstancial mix com o élan comportamental/meditativo de tessitura zazen budista.

Entre o desejo tchekoviano do estar além do lugar nenhum,  as três personagens/atrizes se deslocam entre o imaginário, ora memorialista ora afrontado no escape pelo sonho, e o imobilismo de uma realidade niilista, sufocante e sem quaisquer perspectivas.

Onde Helena Ignez, com  vigorosa exposição de sua técnica amadurecida de intérprete, divide em coesa luminosidade o carregamento dos mecanismos gestuais e vocais, sem choque de idade, com o brilhante e convicto eco performático das duas atrizes de outra geração ( Djin Sganzerla e Michele Matalon).

Completando o investimento estético/ideológico assumido pela artesanal fluência direcional de André Guerreiro Lopes, o presencial coreográfico de Samuel Kavalerski e Fernando Rocha corporificando a palavra de Anton Tchekhov no elenco masculino (com intervenção dos acordes vocais nativistas de Roberto Moura).

E que, ao lado de eficazes componentes cenográfico/indumentários (Simone Mina) e luminares (Marcelo Lazzarato), com as ressonâncias acústico/percussivas da trilha de Gregory Slivar, integraliza uma sintonização reflexiva da apatia destas “Três Irmãs” russas com o desalento e a descrença do incerto momento politico por nós vivenciado.

                                                Wagner Corrêa de Araújo


TCHEKHOV É UM COGUMELO está em cartaz no CCBB/Teatro 1/Centro/RJ, de quarta a domingo, às 19h. 90 minutos. Até 22 de julho.

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