ILHADA EM MIM-SYLVIA PLATH: POÉTICO SURREALISMO CÊNICO


FOTOS/JENNIFER GLASS

Dentro de mim mora um grito. Toda noite, ele sai com suas garras, à caça de algo para amar". É assim que ecoa o angustiante brado pelo difícil suporte da condição humana amputada, em sua brevidade(1932/1963), por trágica solução para o inventário poético/existencial da norte-americana Sylvia Plat.

Na textualidade dramatúrgica de Ilhada em Mim-Sylvia Plath, a partir dos seus escritos, entre cartas e poemas,  Gabriella Melão evita a habitual contextualização mítica de sua vida, optando por traçar um retrato além biográfico, a partir de um intimista dimensionamento psicofísico especular de sua criação literária.

O que se reflete, sobremaneira, na concepção cênico/diretorial assumida por André Guerreiro Lopes, em duplicidade como Ted Hughes, o também poeta e marido da personagem titular – Sylvia Plath, aqui em sensibilizada personificação por Djin Sganzerla.

Nesta premiada montagem paulista pela Cia Lusco Fusco, como de hábito em suas realizações, há um singularizado mix artístico (teatro, dança, artes visuais e plásticas). E que chega, só agora, em temporada nos palcos cariocas, três anos após a sua estreia.

A prevalência de uma pulsão do sensorial faz com que o comando diretorial de André Guerreiro Lopes transmute a representação plástico/gestual/vocal em transcendente exteriorização de uma intersubjetividade corpo-espírito, vida-poesia. Em alegórica simbolização do mundo interior de Sylvia Plath pelo alcance do que ele chamou de “poema cênico”.

Ampliando o enunciado confessional, do delirante élan imaginário/poético ao conturbado verismo biográfico,  o desenho de luz (Marcelo Lazzaretto) enfatiza climas sombreados de lirismo e pesadelo. Exponenciais também nos acordes sofisticados do score sonoro de Gregory Slivar.

Materializando-se, ainda, na surrealista paisagem líquida do espaço cênico, via simbólicos objetos suspensos descongelando-se em gotas d'água crescentes que vão mergulhando móveis e molhando figurinos (Fause Haten) de recortes solene/fantasiosos.

Este referencial hídrico remete a lembranças e citações da obra de Plath na correnteza que arrasta corpos e mentes: “É o mar que tu ouves em mim. Sua insatisfação? Ou a voz do nada. Tua loucura?”...

Onde Djin Sganzerla, ao incorporar em cativante gestual no conluio palavra- movimento, teatro-dança, assume um sotaque bauschiano. Irradiando convicção sincera e densidade emotiva nos contornos de seu papel.

E que tem menor favorecimento no personagem de André Guerreiro Lopes, quase apenas acólito e complementar ao perfil biográfico enfocado, mas revelando segurança nesta eventual limitação acional.

Embora, às vezes, uma narrativa fragmentária, acentuada no hermetismo de algumas passagens em inglês, ora cinéticas ora auditivas, corra o risco de uma menor cumplicidade da plateia. Ou numa quebra da progressão dramática por uma performance poética com potencializada nuance de subjetivismo psíquico.
    
Mas, de forma algum, estes interregnos ou marcações são capazes de invalidar a espontaneidade criativa deste espetáculo, na sua retomada estético/teatral de um  dos mais enigmáticos e metafóricos mistérios poéticos de todos os tempos.

                                         Wagner Corrêa de Araújo


ILHADA EM MIM-SYLVIA PLATH está em cartaz no Teatro Poeira/Botafogo, de quinta a sábado, 21h;domingo, às 19h. 60 minutos. Até 10 de Junho.

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