CAFONA SIM, E DAÍ?: OU COMO SER FELIZ SENDO BREGA

FOTOS/JANDERSON PIRES

Quadrado, careta, conservador, atrasado, espalhafatoso, chamativo, vulgar, de mau gosto, sem elegância, de pouco trato social...

Se cafona é  pejorativo, é antes um jeito diferente de ser ou de se afirmar, sem eira nem beira, tirando do peito um coração sangrando para declarar paixão de mãe ou de bordel. Ou identificando-se como brega por um burlesco intimismo lacrimal, materializado em catarse de ensimesmados males de amor.

Mesmo assim, capaz de despertar a atenção de um refinado esteta dos ofícios culturais no vislumbre, aqui sem preconceitos, duma sutil aproximação de outro gênero artístico. Na ambiguidade de olhar, com histriônico sentimentalismo, as adversidades da condição humana pelo contraponto crítico de melancolizados libretos operísticos. 

Falando, é claro, de Sérgio Britto como um confesso desbravador da trilha que liga música e teatro através da ópera. Capaz, assim, com sua argúcia investigativa, de encontrar similaridades, ainda que de prevalências mais temáticas que melódicas, entre duas estilizações radicalmente díspares. 

Partindo de sua concepção original em torno do conceitual brega, através de uma releitura de seu musical Cafona Sim, e Daí? o dramaturgo Daniel Porto e o diretor e ator Alexandre Lino revivem a peça, vinte e um anos após a sua estreia, em idealizado tributo ao inventário dramatúrgico de Sérgio Britto.

Onde na elaboração da linha textual Daniel Porto, replicando outras criações com Alexandre Lino, estrutura uma progressão narrativa sustentada no processo criativo do documentário cênico. Mas, desta vez, com uma sequencialidade de teatro de formatação musical, através de um antológico repertório brega.

Prevalecendo, na primeira parte da encenação, um dimensionamento formalista de teatro dentro do teatro pela figuração, simples e direta, dos bastidores, nus e crus, de um ensaio, com referenciais do homenageado à crise em nossos palcos.

Sem quaisquer disfarces tanto no despojamento de um figurino cotidiano como na carência de efeitos luminares, com reiterativas passagens musicais, além de um pirandelliano enunciado entre o verismo e o ato da representação. Dando direito a interrupções por chamadas de celular, uso de garrafas de água e lanches, incluindo-se, ainda, a simulação de acidentes com  refletores e distorções sonoras.

Entre a prévia e o show propriamente dito, a convicção de um experimentado elenco de atores/cantores que vai de Nívia Terra e Francisco Salgado, a nomes (Antonio Carlos Feio,Luciana Victor, Claudia Ribeiro, Marcelo Capobiango) que, de uma forma ou outra, atuaram sob  o compasso  mor de Sérgio Britto.

Ao qual se junta um artesanal score técnico/artístico (Karla de Lucca, cenografia e figurino;Renato Machado, desenho de luz; Claudia Ribeiro, coreografia), sem esquecer o competente naipe instrumental (Ananda Torres, Rodrigo Salvadoretti e Jorge Lima, acumulando este a direção musical).

Todos, afinal, sintonizados no comando diretorial de Alexandre Lino que sabe tanto assegurar a livre pulsão de espontaneidade da performance, como transmutar o comportamental cafona em grandiloquente teatralidade e a breguice musical em ironizado virtuosismo.
                                
                                         Wagner Corrêa de Araújo



CAFONA SIM, E DAÍ? está em cartaz no Sesc Copacabana(Arena), de quinta a sábado, às 20h30m;domingo,às 19h. 80 minutos. Até 03 de Junho.

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