A MULHER DE BATH: INÓCUO ARQUÉTIPO DO DESEJO FEMININO


FOTOS/SABRINA MOURA

Geoffrey Chaucer foi o  precursor e instaurador das bases da língua e da literatura inglesa no final do século XIV, antecipando o ideal humanista da Renascença, com sua coletânea fabular “Os Contos de Cantuária(The Cantebury Tales) de 1380.

Alice é uma das personagens de sua saga medievalesca,  através da narrativa em versos “A Mulher de Bath”, destacando-se no seu comportamental libertário pelos anseios do poder feminino. Ou, não se restringindo às funções da domesticidade e da reprodução familiar, no alcance da prevalência sobre os homens  por seu exercício impositivo do desejo e da sexualidade.

Em época de rígidas regras de conservadorismo moral, obrigadas pelo predomínio político e social da religiosidade cristã, Alice ( Maitê Proença) torna-se um paradigma da mulher diferencial. Validada por seu pensar livre mesmo que não escape, de fato, aos condicionamentos das esposas prisioneiras da época.

Tornando-se viúva de cinco maridos, compensa as perdas pelo prazer da redescoberta de que novas aventuras eróticas serão propiciadas pelo consorte sequencial. E se não pode identificar-se na busca, sem compromisso, de parceiros de lubricidades como era permissivo ao sexo oposto, ela se contenta em divagar sobre as artimanhas sensuais que fazem dela uma soberana dos prazeres na cama.

Onde, se cumpre os rituais funéreos na despedida de um dos cinco esposos, arma o pensamento erótico para o próximo, não se inibindo até mesmo em fazer súplicas sexistas diante dos altares santos, no entremeio de peregrinações ao lado de outros homens.

Para fazer frente ao desafio de uma textualidade implicitamente não teatral, o comando diretorial de Amir Haddad consente em afirmar sua concepção como uma “desmontagem”, não só pela quebra total da quarta parede, como na possibilidade de uma dialetação palco/plateia, quase conferencial,  sobre as conquistas e adversidades do empoderamento feminista através dos tempos.

Se na inicialização da performance obtém este ganho, a partir da progressão da narrativa dramática vai se percebendo gradualmente uma sensível perda. Seja através de marcações que não disfarçam um artificialismo progressista, seja pela prevalência de uma oralidade textual monocórdia que soa com maior teor literário que teatral.

No recato dos recursos cenográficos(Luiz Henrique Sá) com um arremedo de uma pequena boca de cena frontal ornamentada por uma cortina onde a protagonista , vez por outra, entra e sai, havendo raros elementos materiais referenciais de época como uma cadeira nobiliárquica, mesa rústica, genuflexório  e taças de estanho.

Sob os acordes, entre o medievo e o contemporâneo, de uma  bem urdida trilha sonora executada ao vivo por Alessandro Persan, mas com desnecessária duplicidade de oficio, embora episódica, na sua interferência atoral.

Ainda que a indumentária (Angèle Froes) sugestione um sotaque aristocrático,  ampliado na  funcionalidade dos seus adereços(Marcílio Barroco), sob um apenas vazado e regular desenho de luz(Vilmar Olos).

E mesmo que o protagonismo de Maitê Proença prime por um presencial elegante, adequando-se no personagem tanto na fisicalidade como no dimensionamento psicológico, falta maior sintonização da proposta como um todo,  tanto na interatividade  dramatúrgica como na pouca adequação da abordagem temática aos avanços do feminismo na contemporaneidade.  

                                                  Wagner Corrêa de Araújo



A MULHER DE BATH está em cartaz no Teatro XP Investimentos/Gávea, sexta e sábado, às 21h;domingo, às 19h. 70 minutos. Até 29 de abril.

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