FOTOS/RODRIGO TURAZZI/CAMILA KOSCHDOSKI |
Parte significativa da obra ficcional de Marguerite Duras, que ela titulou de Ciclo Atlântico,
fala da memória geracional de um “mesmo lugar se impondo com ligeiras
variações : uma casa, uma paisagem de areia e de mar; lugar às vezes aberto
sobre a presença obsessiva do oceano e fechado sobre um espaço coletivo(...)
como se apresenta esta residência...”
Tal referencial literário e paisagístico vem a propósito de
uma criação dramatúrgica coletiva – Tubarões - guiada por Daniela
Pereira, nos relatos existencialistas de seis atores (Alexandre Varella, Alonso Zerbinato,
Beatriz Bertu, Bianca Joy Porte, Christian Landi, Cirillo Luna) e no comando
diretorial de Michel Blois.
No reencontro de três amigos, aqui acompanhados de seus pares
afetivos, numa ambiência doméstica em região praiana vivenciada vinte anos atrás , numa espécie de acerto de
contas com o tempo passado a partir do tempo presente.
O que, mais uma vez, neste protagonismo cênico do tempo,
remete ao conceitual da escritura “duraneana” , ora pelo presencial dos flashbacks, ora pelo atemporal retorno existencial,
tornando ilimitada a demarcação cronológica , entre o que foi e o que está
sendo.
“Com uma atualidade
absorvente”(ainda, Duras), em que o mar, na simbologia do risco dos
tubarões, metaforiza o duelo de sobrevivência pelo resgate de sonhos e paixões,
diante da passagem temporal predadora , entre o ontem e o hoje.
A partir de Stella, o personagem catalizador deste processo
memorialístico/geracional na convicta atuação de Bianca Joy Porte, há um acompanhamento de
enérgica consistência no papel de Alonso Zerbinato como Bernardo, ex jogador de
futebol e seu atual consorte .
Seguindo-se numa mesma e luminosa coesão, ora os amigos gays
e casados, o biólogo soropositivo Daniel( Cirillo Luna) e o cinéfilo/professor
Cícero(Christian Landi) , ora o terceiro casal que junta a ex e antiga paixão
de Stella, o empresário Murilo (Alexandre Varella) à jovem Clarisse ( Beatriz
Bertu).
Na correspondência, ainda,
da funcional instalação cenográfica de Sandro Vieira e Antônio Guedes(este, também, como dublê na indumentária) na plasticidade visual/simbólica resultante do minimalista uso de tubos de PVC.
Sugestionando o delineamento de um muralismo
vazio como a saudade do que se tornou lembrança , preenchido apenas por objetos portados pelos atores. E ampliado nas
incidências luminares (Tomás Ribas) ou pela sonoridade nostálgica de temas
melódicos com prevalência dos anos 80.
Nesta textualidade de potencial pulsão interativa palco/plateia, cada espectador , por uma razão ou por um flash qualquer, há
que, certamente, se identificar como cúmplice deste memorialismo coletivo.
Num inventário cenográfico / sensorial, artesanalmente assumido
pela organicidade de sua performance e pela cativante provocação direcional de
Michel Blois que , assim, fizeram de Tubarões uma das mais gratificantes surpresas autorais e inéditas da última
temporada teatral .
Wagner Corrêa de Araújo
TUBARÕES está , de volta ao cartaz, no Teatro Serrador/Cinelândia/RJ, de quinta a sábado, às 19h30m. 80 minutos. Até 27 de Janeiro.
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