O GAROTO DA ÚLTIMA FILA: ESCRITURAS INVASIVAS


FOTOS/RICARDO BRAJTERMAN

Quando Albert Camus recebeu o Premio Nobel lembrou-se de agradecer ao seu primeiro professor de literatura,  Louis Germain,  as lições aprendidas na infância  como o estímulo inicializador para sua futura consagração.

Na peça do espanhol Juan MayorgaO Garoto da Última Fila – há uma curiosa ou talvez proposital lembrança disto ao colocar o revelador talento do aluno (Claudio) diante de seu mestre escolar (Germano), este sublimando na transmissão das  suas lições de literatura a frustração como escritor.

Incitação realizada com tal impulso que o jovem, numa redação sobre como foi o final de semana, ultrapassa  os limites éticos de sua imaginação como olheiro literário do que se passa na interinidade familiar de seu colega de classe Rafael. Ambiência doméstica na mediocridade do cotidiano de seus pais devassada, sem eira nem beira, na sua ousada investida de despretensioso trabalho escolar redacional.

Mas não seria exatamente este o segredo mágico de toda criação do imaginário - sair de nossa interiorização para ver e questionar o que está diante de nós? Pois é  esta visceralidade na postura comportamental que direciona estes mecanismos inventivos pois, afinal, “ a  arte  é feita para perturbar, enquanto a ciência tranquiliza”, no acertado pensar de Georges Braque.

E é   o  próprio Mayorga que reitera  um reflexivo conceitual para esta sua dramaturgia autoral  que “é principalmente sobre a importância da imaginação em nossas vidas, principalmente sobre os outros como vivem e quem são”. Retomada, aqui,  na idealização apurada de uma presencial teatralidade  por Victor Garcia Peralta, numa montagem que se expande por sua densidade em cena e pela cumplicidade do público.

Ao ser impactado pela força expressiva da redação de Cláudio(Gabriel Lara), o professor Germano(Isio Ghelmann) é confrontado, também, por sua mulher Joana(Luciana Braga) nas suas atitudes professorais, enquanto ela própria vive o contraponto de sua crise estética como galerista de arte contemporânea.

No outro módulo cênico, marcados pela absoluta falta de perspectivas aparecem os progenitores(Celso Taddei/Lorena Silva) de Rafa(Vicente Conde), o coleguinha de Cláudio , com o refúgio paterno na prática esportiva e o  matriarcal no tédio dos ofícios cotidianos.

A sóbria concepção cenográfica(Miguel Pinto Guimarães) tem perceptível funcionalidade identificando, por uma mesma retangular mesa e seis cadeiras, a alterativa visibilidade escolar e residencial do sequencial narrativo. Desmobilizando, em sua focal  centralização, diferenciais expansões de um desenho de luzes vazadas(Maneco Quinderé) que destacam os propícios figurinos de Carol Lobato.

Na representatividade do elenco, de convincente organicidade, há maior ou menor apelo da envolvência palco/plateia, segundo a relevância impositiva dos papéis para a progressão dramática. Onde prevalecem mais chances para Luciana Braga marcar sua bem delineada performance, frente ao componente de menor carisma no desenvolvimento da ação do segundo núcleo(Lorena da Silva/Celso Taddei/Vicente Conde).

Com sua habitual elegância emotiva  e convictas máscara  e voz, Isio Ghelman confere ao seu personagem a dimensão psicológica necessária ao que se exige e além. Enquanto Gabriel Lara, na adequação física , liberdade instintiva e irreverencia juvenil, surpreende por sua predestinação, certamente,  a uma carreira estelar .

                                          Wagner Corrêa de Araújo


O GAROTO DA ÚLTIMA FILA está em cartaz no Teatro das Artes, Shopping da Gávea/RJ, quarta e quinta, às 21h. 90 minutos. Até 31 de agosto

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