AGOSTO: ROUNDS DE UMA SAGA FAMILIAR


FOTOS/SILVANA MARQUES

Na ambiência familiar da peça Agosto seus integrantes se comportam como nos rounds e nas arenas de lutas ou como numa fortaleza sitiada,  onde os que estão fora acabam entrando e os que estão dentro querem sair de qualquer jeito.

Refletindo,inclusive, situações veristas do memorial  biográfico de seu autor, o dramaturgo e ator Tracy Letts. Como o suicídio de seu avô materno inspirando a figura do patriarca Beverly, enquanto a personificação de Violet, dependente de drogas e ansiolíticos para enfrentar um câncer,espelha o que ocorreu também com sua avó, na pós terminalidade de seu marido.

Construída numa linha narrativa em que a progressão dramática abrange três gerações de um mesmo núcleo composto de pais, filhas, maridos, tia, neta e um  primo que traz em si o segredo de um estigma, além de um pretenso noivo e uma criada de ascendência indígena.

Com um referencial de saga familial e domiciliar que lembra parte do repertório dramatúrgico norte-americano de autores como O’Neill, Tennessee Williams, Albee e Sam Sheppard. Este último tendo atuado no papel do avô na versão cinematográfica por John Wells, 2013, da peça e, aqui, exibida sob o título de Álbum de Família.

August:Osage County, no original de sua terminologia nativista(Osage),  que lhe auferiu o Pulitzer 2007 e inúmeros prêmios sequenciais, poderia ser classificada de tragicomédia ou , como a crítica americana denominou com o assentimento de Letts , de “comédia sombria”.

Onde o dimensionamento psicológico de seus personagens acontece a partir de uma ácida  trajetória de lembranças e  pesadelos capazes de gerar conflitos agressivos, atitudes descabidas e comportamentos amorais. Vivenciados todos num acerto de contas entre parentes e que se torna, outrossim, um contraponto disfuncional.

Desde as provocações e a frieza ameaçadora assumidas simultaneamente pela matriarca Violet (Guida Vianna) e por sua filha Barbara(Leticia Isnard), em incisiva radicalidade de uma convicta e carismática representação.

Paralela a uma irrepreensível entrega dos outros nove integrantes do elenco à performance deste  somatório de caracteres enunciadores da psiquê de uma família, metaforizada em encontro num inferno de quatro paredes.

Tal como a dúplice intervenção apaixonada de Isaac Bernat, inicializada como Beverly e, a seguir,como Bill, o consorte de Barbara.Ou da força interpretativa das outras duas irmãs, a silenciosa Ivy (Marianna MacNiven) e a complexada Karen( Cláudia Ventura). 

Completando-se o afetivo naipe feminino , com as insolências da tia Mattie(Eliane Costa),os impulsos adolescentes de Jean(Lorena Comparato) e as posturas compassivas da criada Johnna (Julia Schaeffer). Além , ainda, do presencial de Guilherme Siman no intimidado Charlie ,  do mau caráter Steve, via Alexandre Dantas, e do conciliador Charlie, por Cláudio Mendes.

A concepção cenográfica( Carlos Alberto Nunes), funcionalmente, concentrou as multiplicidades ambientais  de uma residência quase senhorial,  alternando situações intimistas e grupais com a delimitação por tapetes e cadeiras . Configurando-se a identificação dos 12 papeis pelo acerto dos figurinos( Patrícia Muniz) e pela diferencial climatização do desenho de luz( Renato Machado).

André Paes Leme, em sua gramática cênica, bem soube como tornar tensa e angustiosa, poética e humana , esta dramatização de um potencial conflito de vontades. E ao desnudar, visceralmente,  personagens sitiadas que se defendem em grupo e se atacam em particular tornou, enfim, Agosto uma indisfarçável surpresa da temporada.

                                                Wagner Corrêa de Araújo


AGOSTO está em cartaz no Oi Futuro/Flamengo, de quinta a domingo, às 20h.120 minutos. Até 17 de setembro.

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