FOTOS/JOÃO GABRIEL MONTEIRO |
Hamlet na sua resistência atemporal foi
sempre além de seu universo originário com sua problemática existencial. O que o distancia do paradigma do clássico
herói grego comandado , indelevelmente,
pelas forças de um destino superior. Enquanto o personagem shakespeariano é
desafiado e derrubado pelos conflitos de sua própria subjetividade e de sua
dúvida anti-heroica , ainda
que pela pulsão de uma força fantasmagórica.
E nisto reside certamente a sua permanente atualidade pois
seus conflitos e questionamentos o aproximam sempre do homem contemporâneo. Sem
nenhum anacronismo possibilitando, assim,
nesta sua inserção na realidade dos tempos modernos, um possível compartilhamento
, em similar élan emotivo de seus espectadores, do entremeio secular aos albores do terceiro milênio.
Abrindo , indefinidamente, com suas diversas releituras,
um absoluto prisma de análises e reinterpretações nos diversos campos do saber
humanitário . Numa metalinguagem do ser ou não ser objeto do seu próprio destino
confrontado por acontecências
metafísicas.
Capaz assim de impulsionar a recriação ficcional de personagens
moldados em seu substrato teatral, ruminar teorias psicanalíticas no tríptico
relacionamento pai-mãe-filho ou desnudar
as falácias éticas , as falências morais e as podridões da sociedade e do poder
político.
O Hamlet da Armazém Companhia de Teatro preenche,
assim, as expectativas diante de uma
teatralidade de tamanha solidez estética paralela à sua consistência como contraponto crítico , ao estabelecer pontes
arrojadas com a contemporaneidade.
Tanto na sua inteligente versão dramatúrgica(Maurício Arruda Mendonça)
como na sua materialização, de raro impacto inventivo, por seu comando diretor(
Paulo de Moraes) . Na busca de um dimensionamento
de sua essência filosófica, psicológica e política na expressão do pesadelo shakespeariano, referenciado nos sustos e abusos do momento que estamos vivendo como nação e cidadania.
E onde a
dessacralização dos signos cenográficos da
tragédia original ganha outros ares e
outros conceituais, outrossim capazes de
incrementar a proposta assumida no seu
suporte técnico/artístico , no seu ato da performance e no seu recado
reflexivo.
Perceptível no uso de elementos ambientais de temporalidade
diversificada, em recortes estilísticos que favorecem o clima da representação,
dos figurinos (João Marcelino/Carol Lobato) à trilha sonora(Ricco Viana), com dignidade e bom gosto, misturando
tendências e épocas.
Nesta Elsinore que
pode ser identificada com certa capital federal, as evoluções da fisicalidade
com um gestualismo de dança/teatro ( em dúplice realização de Patrícia
Selonk/Toni Rodrigues) alcançam prevalente visibilidade no afinamento enérgico e na postura
presencial do elenco.
Uma magia artesanal e uma potencialização de entrega conduz cada um destes atores enquanto
personagens . Na ambiguidade comportamental e moral de Claudius(Ricardo Martins) ao orar ou no seu discurso ao público ,
de microfone como nas falas oficiais, no disfarce dos atos de constatada venalidade.
Na indiferença maliciosa de Gertrudes (Isabel Pacheco) ou no cinismo pomposo de Polonius(Marcos Martins);ora nas alternâncias entre a fidelidade e
as traições, a apatia e os
favorecimentos, nas manipulações de sentimentos díspares, tanto em Laertes(Jopa Moraes) como em Horácio(Luiz Felipe Leprevost) .
Sem esquecer o personagem que mais parâmetros sentimentais tem com o do protagonista titular (Hamlet) que é Ofélia(Lisa Eiras),em patética exposição da melancolia solitária, no
sensorial solo de vocalização musical
fora do proscênio.
Nos meandros de um conturbado conflito interno, entre a vingança
e a catarse, diante da implacabilidade dos
fatos que marcam a sua trajetória trágica, o icônico papel de Hamlet incorpora no
feminino , em bela androginia visual com nuances de espiritual sensualidade das
Joanas D”Arcs de Dreyer e Rosselini, em irretocável desempenho de Patricia
Selonk.
Hamlet não perde a sua força perene neste olhar armado na contemporaneidade e também não é afetado com os cortes e adaptações
em sua estrutura dramatúrgica, com um pequeno incômodo apenas na sua fala mor (To be or not to be), num tom abaixo
de sua audível perceptibilidade.
É,enfim, um Hamlet
irradiante em sua concepção transformadora e identificável,em emblemática transcendência universal , com qualquer um de
nós no difícil suporte da condição
humana. Neste eterno embate do ser e do não ser que, no pensar de Goethe, "sem a força sensível do herói, sucumbe sob uma carga que não pode carregar nem jogar longe de si”.
Wagner Corrêa de Araújo
HAMLET está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil,Centro/RJ,de quarta a domingo, às 19h. 130 minutos. Até 6 de agosto.
HAMLET, em nova temporada, no Teatro Sesi Centro/RJ, quinta e sexta, às 19h30m; sábado, às 19h. 130 minutos. Até 9 de dezembro.
HAMLET, em nova temporada, no Teatro Sesi Centro/RJ, quinta e sexta, às 19h30m; sábado, às 19h. 130 minutos. Até 9 de dezembro.
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