FAUNA: METAFÓRICO JOGO DA REPRESENTAÇÃO



FOTOS/BRUNO DE MELLO

Um lance mallarmaico de dados onde a literatura é teatro e o teatro é uma narrativa ficcional, capaz assim  de pulsionar questionamentos e alumbramentos palco/plateia, num  clima enigmático de “vida que é sonho” e  de “ser ou não ser”, na representação do real e do imaginário em Fauna.

Que a escritora, dramaturga e atriz argentina Romina Paula referencia com citações literárias capazes de confundir e provocar outros significados conceituais, da passagem textual à sua corporificação cênica.

Fauna em tríptica simbologia ,do mundo animal ou do nominativo feminino do personagem que inspira a progressão dramática. Ou sugestionando um papel de mulher que pode se assumir como Fauna ou Fauno,  no desafio à prevalência social prepotente do elemento masculino.

E é assim que o cineasta José Luís(Eduardo Moscovis) chega com a atriz Júlia( Erika Mader) para os preparativos de filmagem a um local sem um claro enunciado. Com o propósito de abordar post mortem  o lado  rebelde e intelectual de Fauna através da reconstituição memorial de seus dois filhos, na erudição de  Maria Luisa ( Kelzy Ecard) e na rusticidade seu irmão Santos( Erom Cordeiro).

Mesmo com sutis elementos cenográficos (Fernando Mello da Costa) não há, propositalmente, nenhum indicativo perceptível de que ali é um set cinematográfico com os refletores, uma ambiência rural com feno espalhado ou , menos ainda, uma ambiência domiciliar.

Mas havendo sempre eficazes modulações de luzes(Renato Machado) ressaltando os figurinos (Antonio Guedes) e intervenções sonoras ( Marcello H) sintonizadas com a  fisicalidade gestual (Toni Rodrigues).

Visceral, provocador, incomodo ao desnudar identidades e gêneros na ambiguidade da transmutação entre o feminino e o masculino, entre verdades e mentiras sobre o falar do outro falando de si mesmo,aqui o processo interpretativo tem um sotaque pirandelliano de teatro dentro do teatro.  

Onde a singularidade  deste contraponto teatral instigante demora um pouco a sua plena expansão em cena. Mas é alcançada , enfim, no meritório empenho do dúplice comando diretorial (Erika Mader/Marcelo Grabowsky)pela busca de uma convincente gramática cênica.

Além da organicidade do elenco(Erika Mader,Eduardo Moscovis,Erom Cordeiro,Kelzy Ecard) no sustento do ritmo com envolvência presencial e dimensionamento psicológico,no entremeio do híbrido conflito de vontades e das mutações comportamentais  e de erotizaçao dos personagens.

Com destaque especial, pelo favorecimento certamente  de seus próprios papéis, na instintiva marginalização postural e rompantes verbalizações de Erom Cordeiro e na convicção introspectiva e na força sensorial de Kelzy Ecard ao assumir , como mulher, atriz e personagem,  o telúrico e metafórico encargo poético do Rilke de sua fala inicial:

No mundo ainda há muitos papéis a serem interpretados...

Por um instante, embevecidos, interpretamos a vida, sem pensar nos aplausos”.

                                             Wagner Corrêa de Araújo


FAUNA está em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal/Centro/RJ, de quinta a domingo, às 19h. 80 minutos. Até 16 de julho.

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