FOTOS/JANDERSON PIRES |
"Apressem-se e levantem sobre nós o seu lamento, para
que nossos olhos se desfaçam em lágrimas e as nossas pálpebras destilem
água".
Da ancestralidade bíblica ao contexto da cultura popular
nordestina, por lá passam as profissionais do luto, as carpideiras, pagas para
chorar pela morte alheia.
Figuras milenares, atravessaram gerações e povos diversos.
Hoje sobrevivem quase como personagens pitorescos capazes de conduzir a
inspirados enfoques musicais( a “Procissão das Carpideiras, de Lindembergue
Cardoso) e poéticos, como a literatura dos cantadores e cordelistas.
Ou ainda no teatro, com exemplos da envolvência criativa de
Newton Moreno na peça As Centenárias ou, em data mais recente, As Bondosas, de
Ueliton Rocon, esta última com a Cia SOS de Teatro Investigativo, sob o competente
comando de Tom Pires.
Três carpideiras, assumidas aqui por protagonistas
masculinos, a saber Prudencia (Sidcley Batista), Angústia( Gerson Lobo) e
Astúcia(Tom Pires) pranteam o velório da jovem filha de uma família
,aparentemente, de boas posses.
Contratadas para se fingirem de tristes, expõem ligações
afetivas tais como se fossem lídimas integrantes da intimidade e dos laços
familiares da morta.
Com seus terços , rezam credos e cantam benditos em forma de
incelenças, portando solenes figurinos(Leandro Mariz), mais próximos da
atemporalidade, ao realçar uma profissão com sotaque de antiguidade.
Tudo numa cenografia minimalista( Sidcley Batista) que
acentua o jogo dramatúrgico através de precisas caixas de madeira, como um catafalco
em permanente mobilidade.
E ,ainda, por intermédio das acertadas interferências
musicais(Tom Pires) e uma luz entre sombras(Eduardo Salino), que enfatizam o
irônico gestual de ritualidade em torno da defunta.
A superlativa performance do elenco induz à própria
qualificação cênica destes quase personagens da vida real que são, por si só,
carregados de teatralidade pela sua função de mascarar a hipocrisia social das
lamúrias pagas.
E num dinâmico crescendo, demonstrativo da sensível urdidura
da direção , a peça promove uma devassa tragicômica das falácias humanas, entre
a mediocridade do mal falatório, a pequenez do ciúme e a amarga nudez da
sexualidade reprimida.
Levando,enfim, a plateia a um reflexivo estado de comicidade.
Mas de postura brechtiana, diante do riso nascido das lágrimas compradas:
"Finge que está profundamente triste, põe vestido de
luto, não te unjas de óleo e sê como uma mulher que está de luto por algum
morto".
Wagner Corrêa de Araújo
AS BONDOSAS está de volta ao cartaz na Casa de Baco/Lapa, nas segundas feiras, às 19h30m. 60 minutos. Até 31 de julho.
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