ADEUS , PALHAÇOS MORTOS: TEATRO CINÉTICO E METAFÍSICO


FOTOS/VICTOR  IEMINI

Para o romeno Matéi Visniec  a simbologia surrealista, o imaginário dos sonhos e a estética do absurdo agiam como “efeitos libertadores” , enquanto viveu sob as rédeas oficialistas do realismo  socialista.  

E foi a partir  do seu asilo francês em 1987, às vésperas da queda do bloco soviético, que acabou, pelo livre exercício criador,  se tornando um dos mais lídimos continuadores da escola dramatúrgica  de  Ionesco, Beckett, Genet, Pinter e Albee.

Mas esta sua herança está transubstanciada também no  sotaque tchecoviano / kafkiano de  seus escritos literários  com seu conceitual filosófico/político das absurdidades da condição humana. Não é por acaso que ele afirmou: “os personagens de Tchékhov são vagabundos metafísicos que anunciaram a literatura do futuro, são os ancestrais de Vladimir e Estragon de Beckett”.

Este referencial conduz à sua peça , estreada em  1992, “Petit Boulot Pour Vieux Clown”. Onde três velhos e decadentes palhaços se encontram em uma entrevista  de emprego,  num lugar nenhum que não leva a qualquer parte mas a uma espera infinita, como a do enigmático Godot de Beckett.

Na releitura desta textualidade dramatúrgica pelo diretor José Roberto Jardim , sob a titulação de Adeus, Palhaços Mortos,  há o transcendente significado da  presença de um elenco , de origem teatral/circense, da Cia Academia de Palhaços.

E é , no entremeio de um clima verista/burlesco  de desalento, com a recente, realística e total perda, em incêndio, do seu espaço ambulante de ofício performático, que os atores Laíza Dantas, Paula Hemsi e Rodrigo Pocidônio desafiam , numa proposta minimalista, a sensação de desconforto profissional pela retomada do ato criador.

Enquanto irrepreensíveis atores e convictos personagens, em fantasiosos figurinos (Lino Villaventura),com  lembranças do convívio passado alternadas  por  embates de rejeição e  competência, disputam a prevalência de ser um deles o  escolhido, num status de ameaça,  impotência e desespero.

A proposta cenográfica (BijaRi), com seu apelo cinético de delírio visual, numa mágica caixa preta e na explosão feérica de luzes( Paula Hemsi/José Roberto Jardim), radicaliza-se nos  seus sensoriais experimentos sonoro/musicais(Tiago de Mello).

Numa concepção provocadora pela abertura de seu comando diretorial (José Roberto Jardim),de inventividade direta e seca, a um teatro de contestação. Capaz, assim, de se arriscar, com folego gestual e densidade psicológica, num espetáculo tenso mas revelador.

Desfigurando a formatação convencional, pontuado no desnudamento da ação em inação, de metafórica verbalidade, deixando perguntas sem respostas , mas refletindo, visceralmente, sobre o imponderável da aventura humana.

                                                 Wagner Corrêa de Araújo


ADEUS, PALHAÇOS MORTOS está em cartaz no Espaço Sesc/Copacabana, de quinta a sábado, 21h; domingo, às 20h. 70 minutos. Até 28 de maio.

                                   

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