REDEMUNHO: TRANSCENDENTE FIDELIDADE

FOTOS/SILVANA MARQUES

Um dos aspectos relevantes da transposição dramatúrgica de quatro dos contos do livro Faca, do escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, na peça Redemunho é a perceptível fidelização à textualidade  do autor.

Assim, neste desafio do respeito absoluto à sua originalidade ficcional e no difícil  embate da eficaz teatralidade de obras literárias, transparece um raro cuidado estético sem prejuízo do diferente enunciado –livro/palco.

Sem perder em momento algum a essência do signo verbal, o trabalho diretorial de Anderson Aragón faz da sua reescritura dramática um  resultado artesanal de convicto encontro e feliz convívio de duas linguagens artísticas.

Onde o simbólico aporte cenográfico( Doris Rollemberg), com referencias a elementos da cultura popular nordestina , também incidente na indumentária (Flavio Souza), é ressaltado pela simbiose de recatados recortes do  desenho de luz (Anderson Ratto) e da  inspiradora trilha sonora de Alfredo Del-Penho.

Equilibrando  narrativa , ora descritiva ora confessional, com dialetal confronto dos oito personagens passionais em quatro quadros de dúplice caracterização , alternado por Alexandre Dantas, Ana Carbatti e Cláudia Ventura em enérgica loquacidade e sensorial fisicalidade ( Sueli Guerra).

Na prevalente  expressão de suas adversidades familiais,  em inquietas interiorizações de desejos sufocados e nas  pulsões tempestivas de  rebeldia contra os arquétipos  de um mítico regionalismo nordestino.

Introduzindo sempre a fabulação de cada uma das histórias sem revelar por inteiro sua trama em ordem sequencial  mas levando-as, em intercurso  fragmentário, ao seu epílogo.

Desde o  orgulho genealógico e sua desfeita,  no frustrado  cotidiano de mãe e filho (Redemunho),   às dúvidas do real pertencimento amoroso ao almejado consorte ou ao esposo circunstancial ( A Escolha).

Ou a trágica causa parricida no confronto materno/filial entre duas mulheres ( Cícera Candoia) e o inferno domiciliar feminino, em submissa relação conjugal, questionada na passagem de um circo (Mentira de Amor).

É na  multiplicidade das vozes narrativas assumindo  facetas masculinas ou femininas, em contumaz entrosamento, fluência, ritmo e verdade introspectiva de um elenco,  que se estabelece a cumplicidade com a plateia.
Onde o encantamento pela palavra literária e pelo  rito teatral estão, além da estimulante performance(Alexandre Dantas, Ana Carbatti e Claudia Ventura), no alcance do comando de Anderson Aragón - por um espetáculo  de transcendente libertação cênico/literária dos fantasmas do mundo interior.
                                          Wagner Corrêa de Araújo



REDEMUNHO está em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim/Ipanema,sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h. 80 minutos. Até 03 de abril.

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