O ESCÂNDALO PHILIPPE DUSSAERT: NO EPÍLOGO DA REPRESENTAÇÃO PICTÓRICA


FOTOS/PAULA KOSSATZ

No ápice da revolta estudantil de 1968, as inscrições murais de Paris replicavam : a arte está morta, criemos nossa vida cotidiana. Um apelo  que ecoava  as      palavras precursoras de Marcel Duchamp em 1915 –“A pintura acabou. Quem faz melhor esta hélice”?

Com o olhar armado nesta visceral aventura estética em torno da nova gramática do quadro sem os freios do pictórico, o dramaturgo e ator Jacques Mougenot assumiu cenicamente seu texto autoral O Escândalo Philippe Doussaert, numa das mais profícuas carreiras nos palcos franceses  desta década.

No formato de uma palestra, o personagem deste monólogo, de inteligente ironia e mordaz espírito crítico, é um hipotético pesquisador (Marcos Caruso) mais curioso que especialista na obra polêmica de um obscuro pintor, confrontando seu solilóquio na provocação dialogal com a plateia.

Desiludido com os caminhos tomados pela criação artística diante dos seus desvios na pulsão mercantilista e nas falácias intelectualistas , seu conceitual cênico é o da total efemeridade do quadro com seu suporte imagético.

Onde os abusos vanguardistas estão no convite ao público consumidor, ora numa vernissage de encantamento na presença do nada ou ao regalo do apetite estético frente a um prato de excrementos humanos.

Fundamentando-se , ainda,  na dessacralização dos signos históricos - ( da  Mona Lisa, com um bigode e cavanhaque,  ao Vermeer da Menina do brinco de pérolas,  confundida pelo  turbante da Madonna pop-star) - o personagem/protagonista acredita,então,na saída pela transposição estética da ancestral teoria filosófica do vacuísmo.

A beleza e a valoração da arte estariam, assim, na releitura de pinturas clássicas sempre com a descoberta do que existe,por trás e entre duas imagens .Ou em sua  culminância transgressora no “escândalo” político/cultural da aquisição pública do vazio/vácuo plástico, transubstanciado na invisibilidade metafórica/realista de um quadro do nada.

E se é o discurso pelo nada que vai no crescendo desta teatralidade narrativa de questionamentos ,a minimalista concepção cenográfica e seu recatado figurino ( na dúplice idealização de Natália Lana), o essencialista desenho de luz (Vilmar Olos) e som(Maíra Freitas)aliados à transparência das projeções documentais ( Rico e Renato Villarouca) , conduzem à inesperada surpresa conclusiva.

As singularizadas e seguras  marcações diretoriais (Fernando Philbert) favorecem a vigorosa  representação de Marcos Caruso, de verdade interior e irrepreensível entrega da palavra e do gesto, na divertida visibilidade  dramatúrgica  dos  delírios estéticos  à desmistificação do  papel da criação plástica na contemporaneidade.

Num espetáculo  de convincente acabamento artesanal , ao qual nunca falta uma eficaz dose de entretenimento . Capaz de alcançar tanto a risível cumplicidade com a crise da arte hoje, como uma possível adesão reflexiva  de cada espectador à referencial resposta do nosso poeta e esteta mor Ferreira Gullar:

A obra de arte está dentro e fora de nós, ela é nosso dentro ali fora”.

                                         Wagner Corrêa de Araújo 


O ESCÂNDALO PHILIPPE DUSSAERT está em cartaz no Teatro Maison de France, Centro, RJ.Quinta e sexta, às 20h; sábado, às 21h;domingo, às 18h. 80 minutos. Até 26 de março.



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