AMOR EM DOIS ATOS: ENTRE SOCOS E BEIJOS


FOTOS/ELISA MENDES


“Como termina um amor? O que? Termina. (...) Uma espécie de inocência mascara o fim dessa coisa concebida, afirmada, vivida como se fosse eterna”.

Ao escrever seu livro Fragmentos de um Discurso Amoroso,  Roland Barthes incursiona nas duas instâncias que permeiam o fenômeno do amor – o princípio e o fim, a construção e o desmoronamento, a alegria e a mágoa.

E é neste reflexionar–se que o dramaturgo francês Pascal Rambert, num quase referencial temático, escreveu duas peças , de distanciamento cronológico e não necessariamente sendo continuidade uma da outra.

E quando a direção de Luiz Felipe Reis resolve reuni-las numa mesma performance, sob o sugestivo título de Amor em Dois Atos, é como se estivesse a propor um lance mallarmaico de dados, inteligente e incisivo na maturidade  estética de sua  concepção.

Onde o alcance crítico se torna maior ainda com a justaposição sequencial do Encerramento do Amor (2011) como o primeiro ato, e O Começo do A. (2000) como o ato seguinte.

E mesmo com este formato, entre o peso da nuance mais dramática e a leveza de sotaque poético, e sendo os textos entregues a um dialogal encontro de dois atores na representatividade de dois confrontantes momentos do (des)amor, o que perpassa sempre, aqui, é a visceral percepção da prevalência de um crepuscular discurso da solidão.

No prólogo deste encontro o que está a acontecer, no despojamento de seus  artifícios cênicos(José Dias), entre o realismo do palco ou da vida, é o fator da representação se apoiar na presença de um casal , na ambígua simultaneidade de  personagens teatrais ou seres humanos.

Quando começa este round em solilóquio e sem toques corporais, pela entrada de um ator ( Otto Jr) , seguido sequencialmente da atriz( Julia Lund), tem inicio uma partida a dar voz apenas às amarguras , de tons áridos e agressivos, do elemento masculino.

No jorro impulsivo de um palavrório de dominação,sem tréguas e pausas, capaz de acirrar a ilusória perplexidade da plateia diante do silencio submisso da atriz( Julia Lund), como se fora esta uma prisioneira tumular acuada por uma baioneta.

Numa  potencial e emotiva liberdade instintiva de entrega, Otto Jr surpreende pelos efeitos de progressão dramática que tira do personagem. Silenciado com a intervenção da mulher ( Júlia Lund) que , em sua irônica irreverencia de  tons ascendentes , revela sensíveis recursos de densidade e frieza, na sua  exploração dos contornos psicológicos de seu papel.

Na segunda parte, O Começo do A., o comando diretorial de Luiz Felipe opta pela concorrência de linguagens artísticas diversas, num incidental tributo ao múltiplo talento de Rambert ,como diretor de dança e ópera contemporânea. 

Desde um gestual  quase coreográfico( Lu Brites) a efeitos de video/clipagem(Marcelo Grabowsky), luzes(Tomás Ribas)e experimentações sonoras( Luiz Felipe Reis/Thiago Vivas),além de insinuantes figurinos(Antonio Guedes), para expressar plasticamente os desafios a que conduzem as declarações afetivas e os atos sensoriais da paixão amorosa.

Todas as situações desta teatralidade, entre o pesadelo e o insólito das suas rupturas e o acordo de vontades, do desejo introspectivo à fisicalidade erótica, viabilizam,assim, na integralidade de Amor em Dois Atos, uma convicta e valorosa busca pelos avanços de novas e desafiantes dramaturgias.


ENCERRAMENTO DO AMOR , de quinta a sábado,às 19h;domingo,às 18h.
O COMEÇO DO A. , de quinta a sábado,às 21h;domingo,às 20h. No Espaço Sesc, Copacabana. Duração total 140 minutos, com intervalo entre as peças. Até 23 de outubro.
NOVA TEMPORADA : no Teatro Poeirinha, de quinta a sábado, 20h. Até 02 de abril.

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