FOTOS/LUIZ LUZ |
A tão rara presença da dramaturgia latino-americana nos
palcos cariocas tem, agora, através da Tentáculos
Espetáculos um notável exemplo qualitativo com a premiada peça do mexicano
Javier Malpica – Papai Está na Atlântida.
Depois da conceitual montagem do texto do venezuelano Gustavo Ott – Dois Amores e um Bicho, é a vez de uma oportuna obra mexicana que, no seu incursionar pelo lado negro e da
xenofobia no fator migratório, desnuda o desprezo e a marginalização da
condição humana.
Aqui, neste texto de 2005, precursor, na sua simbologia, da cruel vitimização da infância -
de perceptível marca trágica em nossos
dias, dois pequenos irmãos refugiam-se num sonho utópico, diante da ida paterna ,sem volta, para os Estados Unidos.
E é assim que se iludem com o pensar de que o pai , em
verdade, teria partido para uma cidade mítica - a desaparecida Atlântida. Como
um fugaz consolo pela obrigação incomoda de condenados à solidão em terreno
limítrofe, sob os ditames de uma avó que a eles pouco importa.
Enquanto personagens irmãs, Daniel Archangelo assume o papel do primogênito,
na insegurança de suas certezas pontuadas de ironias, e Ricardo Gonçalves personifica a fragilidade do
caçula, com seus acessos de pânico, entre o espanto e a dor. Na cruel
ambiguidade de seres fissurados pelos embaraços do distanciamento de suas
raízes domésticas e familiares.
E é esta submissão a uma esperança perdida, no lastro
memorialístico dos mais íntimos desejos
e valorações da infância, que se estrutura
uma narrativa entre o lirismo e o
desespero.
Onde o grande lance estético de um núcleo de trama simples é
o lúdico jogo, de sóbria linha
interpretativa,sem quaisquer artificialismos, de atores adultos visibilizando
atitudes e exteriorizando diálogos infantis.
Este contraponto afetivo dá luminosa autoridade cênica a um espetáculo de
prevalência da palavra diante de uma
recatada essencialidade cenográfica(na dupla concepção de Guilherme Delgado e Ricardo Rocha, este
ultimo também autor dos figurinos).Através da
mobilidade inventiva de bancos de
madeira impulsionando singularizadas ambientações.
Enriquecido, ainda
pela sutil poesia plástica do desenho de luz(Luiz Paulo Barreto) capaz
de imprimir, na entrega à fisicalidade pelos atores, a metafórica visualização da densidade
psicológica imanente à suas ingênuas mas emotivas textualizações.
E ainda que paire a ameaça de quebra rítmica na
progressão dramática de um discurso quase reiterativo, as mãos firmes de
Guilherme Delgado revelam folego e
maturidade na decifração desta gramática
cênica que surpreende, enfim, com sua
significante pulsão reflexiva.
PAPAI ESTÁ NA ATLÂNTIDA está em cartaz no Teatro Eva Herz, Centro/RJ, de quinta a sábado, às 19h. 80 minutos. Até 17 de setembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário