ORDINARY DAYS:RECORTES MUSICAIS DO COTIDIANO

FOTOS/CLARISSA RIBEIRO

A partir das impressões de leitura do romance Mrs Dalloway(1925), de Virginia Woolf, o dramaturgo Adam Gwon construiu a narrativa de seu musical Ordinary Days, que teve sua estreia no circuito Off-Broadway (2009).

Se no livro há o desdobramento das teias existenciais - paralelas mas conflitantes - do feminino, em Ordinary Days substituem-se estes embates, relacionais ou solitários, pelo dia-a-dia de dois casais jovens,  na contemporaneidade nova-iorquina.

No deslumbre das novas descobertas geracionais, de um lado há personagens afirmativos e decididos em seus sonhos futuros de vida, e de outro, personalidades carentes e inseguras nas certezas de sua própria auto-estima.

Warren( Victor Maia) , mero assistente de um artista, procura ser e se fazer notar  através da abordagem , ainda que incomoda, de gente que passa pelas ruas, distribuindo folhetos com mensagens poéticas  e reflexões autorais.

Ao se deparar com um caderno perdido, recheado de anotações para uma pretendida tese sobre Virginia Woolf, sai em busca de sua titular, a estudante  Derb(Julia Morganti); o que acontece, enfim, nas galerias do Metropolitan Art Museum.

Enquanto isto, Jason( Hugo Bonemer) decide se juntar à sua namorada Claire((Fernanda Gabriela) no exíguo espaço habitacional dela. Onde, mesmo diante de uma carente privacidade, nada impede as surpresas emotivas de um compromisso amoroso, até então  de idealizada afirmação à distancia.

Esta comédia musical romântica, com seu sutil sotaque melancólico, é desenvolvida através de 19 canções sequenciais e sua forma, entre o  dialogal e o solilóquio, é toda ela arquitetada em acordes musicais.

Com modulações de lírica espirituosidade, sem grandes arroubos melódicos ou pretensiosos avanços  na escrita sonora. Mas de enérgica envolvência na execução solo da pianista/dublê de personagem  Arianna Pijoan. E sempre  precisa para sublinhar a ação com a consistente direção sonora de  Marcelo Farias.

O minimalista aparato cenográfico( Equipe Caio Loki) , um andaime e caixas espalhadas pelo palco e projeção de edifícios metropolitanos ao fundo, alcança uma bela visibilidade na identidade  urbanista dos figurinos(Renan Mattos),sob um discricionário mas funcional design de luz(Rubia Vieira).

A competência artesanal na protagonização de um elenco jovem , alternativo a cada apresentação, tem convincente  rendimento vocal e  uniformidade interpretativa.

Destacando-se, especialmente, o carisma de Victor Maia, enquanto cantor  e personagem e a técnica de voz e o temperamento  dramático de Hugo Bonemer. E no naipe feminino, a indisfarçável entrega a um desempenho mais interiorizado em Fernanda Gabrieli e a ágil exploração dos contornos mais bem humorados do papel de Julia Morganti.

A vivência, a segurança e a inventividade  na pulsão dos mecanismos gestuais /vocais do teatro musical, sob o comando de Reiner Tenente,  fazem ,assim, de Ordinary Days um espetáculo valente( pelo limitado suporte financeiro) e revelador por seu sensível apelo  estético.


ORDINARY DAYS está em cartaz no Teatro Serrador, Cinelândia , sexta a domingo, às 19h30m.80 minutos . Até o dia 28/agosto.
Nova temporada no Teatro Solar /Botafogo, quartas e quintas,às 21h. Até 02 de fevereiro.

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