DECADÊNCIA: ÁCIDO EMBATE ENTRE O GESTO E A FALA

FOTOS//PAULA KOSSATZ

O ator, dramaturgo e cineasta inglês Steven Berkoff, a partir das teorias do "teatro da crueldade” de Artaud resolveu ultrapassar quaisquer condicionamentos no seu "teatro físico".

Enquanto Artaud conduz o espectador a uma catarse, resultado do seu “tratamento de choque emotivo” através de uma performance ritualística, Berkoff promove um curto circuito entre a palavra e o gesto, entre o falar clássico e a gíria cotidiana.

Na sua teatralização estabelecem-se dois planos que, ao mesmo tempo, se identificam e se confrontam,  numa encenação seca, visceral, ácida, direta: “É a gestualidade paralela à palavra falada, mas em polos opostos, que cria a forma e a estrutura da peça” .

Decadência, de 1981, é uma exemplar adequação de seu ideário estético por uma teatralidade em que se equilibram um texto de denso rigorismo linguístico convivendo com seus flancos de falar malandro, vulgar, popularesco( de alcance valoroso na esmerada tradução de Maria Adelaide Amaral/Léo Gilson Ribeiro).

E de outro lado, a fisicalidade a serviço da palavra ou esta potencializada pela exacerbação do movimento. Onde a linha dramática é irradiada na espontaneidade enérgica da mimetização de cada gesto, seja este cínico, cruel, imoral, pornográfico. Mas sem a fala perder nunca o tom confesso de uma amarga interiorização.

Dois casais ( representados simultaneamente pela dupla Aline Fanju/Erom Cordeiro) fazem um mix alternado dos prazeres e desajustes de amantes aristocráticos e da cínica paixão de uma alta burguesa por um detetive sórdido, na incitação ao assassinato do marido.

Os personagens são defendidos com extremado empenho, na exploração contumaz de todos os seus contornos. Desde  a intencionalidade grotesca e maliciosa de sua gestualidade(Márcia Rubin), em situações/limites de marginalidade e sexualidade, à verbalização de visível envolvência sensorial.

Mas ainda que a convicta proposta diretorial de Victor Garcia Peralta alcance o contundente senso crítico e a necessária sustentação estética deste teatro da totalidade, há um perceptível prejuízo na escolha da amplidão do espaço cênico que, aqui, não favorece a representação.

Onde a culpa não poderia ser imputada ao minimalista aparato cênico(Dina Salem Levy)ou à eficaz elegância dos figurinos( Carol Lobato).Num clima ambiental, não preenchido com maior intensidade, do desenho de luz(Felipe Lourenço),no seu direcionamento às  dimensões físicas de  arena.

Resultando, assim, na  dispersão das sutilezas simbológicas de cada movimento ou de cada expressão facial.  Ou na perda de nuances da vocalização com solilóquios priorizados sobre a forma dialogal.

Numa narrativa, de sotaque camerístico e de prevalente  intimismo confessional erotizado, para denunciar a viciosa amoralidade comportamental da condição humana .



DECADÊNCIA está em cartaz no Espaço SESC/Copacabana, de quarta a sábado, às 20h30m:domingo,às 19h. 80 minutos . Até 28 de agosto.
NOVA TEMPORADA: Centro Cultural Banco do Brasil/Centro, sexta a domingo, às 19h30m. 80 minutos. Até 18 de dezembro.

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