NÓS: COMPARTILHANDO A NOSSA CULPA

FOTOS/GUTO MUNIZ



Não existe nenhum “trabalho emocional” ou “preparação” melhor do que a espontaneidade do ator, assim como não há um cenário que funcione melhor para a encenação do que o palco nu e uma direção que seja melhor que o silencio”.

Reflexão do dramaturgo David Mamet que pode ser um referencial  para a singularizada criação coletiva presente nesta última incursão do Grupo Galpão – “Nós”.

Fugindo de sua constância na  inventiva releitura de textos dramatúrgicos conhecidos, desta vez foi através de um diretor convidado ( Márcio Abreu) ao lado de um de seus integrantes (Eduardo Moreira), que o Galpão impulsionou um desafiante código cênico.

Num elenco coeso e caloroso ( Antônio Edson, Chico Pelúcio, Eduardo Moreira, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Teuda Bara), em que os personagens são os próprios atores, reside a poesia de um espetáculo de hábil construção e provocativo direcionamento.

Circundado, frontal e lateralmente , pelos espectadores, o aparato cenográfico variável (Marcelo Alvarenga) se concentra na mesa , coberta de legumes e apetrechos de cozinha. Dando lugar , de forma alternativa ,a um metafórico palco nu, espelhado, em declive.

Consolidado , ainda, pela proposital despretensão dos figurinos(Paulo André), pelo desenho ambiental da iluminação(Nadja Naira) e pela incisiva incidentalidade da trilha sonora (Felipe Storino), com direito a performances musicais de sotaque felliniano.

Com sua nuance de extremado naturalismo, capaz de desnudamentos corporais, entre ações físicas e verbalizações . Sem meios tons, da simplicidade do falar cotidiano a um crescendo de vozes eloquentes,num eficaz mix literário(Dostoievsky, Tchekhov,Cocteau,Wislawa Szymbroska).

Com seu humor reflexivo e sem subentendidos, vão desconstruindo o espaço cênico de uma (ante)ceia  que se pretende última. Em suas digressões, questionamentos, perplexidades, por uma visão crítica, árida e melancólica, das intolerâncias e insanidades da contemporaneidade.

Estes instantâneos da  vida que não é sonho mas como ela é, fazem de todos nós , parodiando Shakespeare, “criaturas culpadas assistindo a uma peça”. Céticos, acusados e derrotados, nas desprezíveis surpresas diárias de tantos nós amarrando a liberdade de cada um de  Nós.

Nós na sua exasperação participativa palco/plateia, incitada pelo olhar armado de Márcio Abreu e pela convicta entrega de seus atores/personagens, é assim, nada mais nada menos, que teatro espontâneo>lúdico> laboratorial>documental>verista, de gente que sabe o porquê estar fazendo...




 NÓS está em cartaz no Teatro Sesc/Ginástico,Centro/RJ, de quarta a sábado,às 19h; domingo,às 18h. 90 minutos. Até 10 de Julho.

NÓS , em nova e curta temporada, abrindo as comemorações dos 30 anos do Grupo Galpão. Teatro Sesc/Ginástico, quarta às 20h; quinta a sábado, às 2oh; domingo às 18h. Até 13 de agosto.

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