MYRNA SOU EU: FEMINISMO RADIOFÔNICO

FOTOS/JOÃO CALDAS


Já dizia Balzac, “o texto da vida feminina será sempre igual. Sentir, amar, sofrer e sacrificar-se”. E as mulheres  nos livros em que Nelson Rodrigues usava, como autor,  os heterônimos do segundo sexo não estão longe disto.

É o que revelam os romances/folhetins,  de Núpcias de Fogo, sob o nome de Suzana Flag,   aos escritos  de Myrna, nos livros -  A MentiraA Mulher que Amou Demais e Não Se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo.

E é este último que inspira , com sua reunião das crônicas publicadas no Diário da Noite(1949), a versão teatral Myrna Sou Eu –Consultório Sentimental de Nélson Rodrigues.

A radialista Myrna (Nilton Bicudo) responde às   cartas de leitores ( a maioria mulheres) sobre ilusões amorosas, dúvidas de paixão em torno  dos consortes (namorados, maridos e até  amantes), conflitos domésticos. Mas pairando, sobre tudo, o fantasma do grande medo da solidão.

A caracterização masculina de um personagem mulher enquadra,assim, seu referencial /tributo ao escritor Nélson falando pelo viés feminino de Myrna.

Nestas cartas ,  um flagrante  comportamental , sem retoques, da família, da moral e dos costumes da sociedade brasileira e, especificamente carioca, do final dos anos 40. Com uma verdade psicológica  incisiva  por trás da aparente ingenuidade irônica e risível  com que é apresentado .

Capaz, enfim,  de atingir quaisquer  corações e mentes pela atemporal realidade dos embates  nas  relações amorosas. Apenas disfarçados  na aparência cenográfica    de nostálgicos anos,  mas de eterna  identificação intimista no seu espelhar dos sentimentos  e das hipocrisias humanas de todas as épocas.

Nilton Bicudo (Myrna)  sabe, com autenticidade, dizer o texto como quem está vivendo a compreensão do que diz. Na força de uma entrega naturalista ao personagem,  sem cair nos clichês,  e pela gestualidade certeira de   domínio das pausas, entre a angústia e o humor dos questionamentos missivistas.

Os precisos códigos de cena assumidos pelo comando de Elias Andreato, dublê de cenógrafo, mantem a constância do ritmo em tempo de solilóquio , dando sustentação dramática e envolvimento público a  uma textualidade de sotaque literário.

Onde, o jogo lúdico num estúdio de rádio é completado pelo acerto técnico e artístico dos figurinos (Fabio Namatame), desenho das luzes(Adriano Tosta) e incidências sonoras de saudosos comerciais e passagens musicais ( Jonathan Harold).

Conduzindo,  certamente  , esta visão confessional masculina do amor feminino,  à “assexuada”  advertência  filosófica de Nélson – “É o desamor que explica todos os males, da brotoeja à úlcera, da urticária ao câncer”.



 MYRNA SOU EU - CONSULTÓRIO SENTIMENTAL DE NÉLSON RODRIGUES está em cartaz no Teatro Poeira,Botafogo, terças e quartas, às 21h. 70 minutos. Até 27 de julho.

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