FOTOS/CAROL BEIRIZ |
Integrando o ciclo dos “textos míticos” , ao lado de Álbum
de Família, Anjo Negro e Senhora dos Afogados, esta “farsa irresponsável” –
Dorotéia (1950)– é uma das peças de maior carga psicanalítica na obra de
Nélson Rodrigues.
Ao mesmo tempo que impactou o exacerbado moralismo religioso
e comportamental de seu tempo, fascinou os estudiosos por seu conceitual de
proximidade com a teoria freudiana das sublimações sexuais.
Dorotéia (Letícia Spiller) retorna à casa de suas primas/viúvas
, disposta a redimir-se de sua trajetória de prostituta. Mas enfrenta a resistência conservadora de Maura (Alexia
Dechamps) e Carmelita(Jacqueline Farias), comandadas pela mão sufocante de
Dona Flávia ( Rosamaria Murtinho).
Nas três irmãs/beatas está presente a pulsão erótica, reprimida pela “náusea” diante do amor e da
presença do homem . Cuja nudez, ocultada por uma imaginária deficiência visual,
é transferida à simbologia fálica de uma bota.
Estas grotescas guardiãs da castidade arrastam , há décadas,
a insólita proibição da sexualidade, como herança da noite nupcial , com a “náusea”
primeira , de sua bisavó. Interferem ainda na trama, os personagens de Maria das Dores( Anna Machado) ,a filha semimorta (e sem pecado) de Dona Flávia, e sua sogra Dona Assunta(Dida Camero).
A performance masculina é simbolizada pelos “homens jarro”, assim
nomeados num eufemismo metafórico do corpo feminino , como um vaso que oculta o pecado. Aqui, introduzidos como menestréis/instrumentistas(André
Américo,Daniel Martins,Du Machado,Fernando Gajo,Pablo Vares,Rafael Kalil), sob
a envolvente direção musical de João Paulo Mendonça.
A arrojada estética de encenação do diretor Jorge Farjalla ritualiza,na sua proximidade com a plateia, um clima onírico/coletivo de imaginário gótico e grandiloquência operística.
Entre gigantescos troncos de árvores de uma espectral floresta
negra( José Dias),na ancestralidade dos figurinos envelhecidos em tons ocres (
Lulu Areal) e de luzes entre sombras(Patrícia
Ferraz).
O elenco revela um convicto desempenho, com ocasionais oscilações
de projeção vocal, dificultada pela acústica do espaço. Enquanto
Alexia Deschamps, Jacqueline Farias, Anna Machado, Dida Camerano integram um
quarteto de credibilidade e força, Letícia Spiller tem uma privilegiada
intensidade emotiva e uma bela execução física.
Mas é Rosamaria Murtinho que opera uma rara transfiguração no palco, pela veemência dramática assumida e pela densidade psicológica alcançada. Capaz, assim , de reiterar sua
culminante elaboração vocal até o epílogo , com patético cinismo e trágica virulência:
“Vamos apodrecer juntas”...
DOROTÉIA,em nova temporada, no Sesc/Copacabana/Arena, sexta e sábado,às 20h30m; domingo, às 19h. 90 minutos. Até 19 de fevereiro.
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