MAMÃE : INSTALANDO A AUSÊNCIA

FOTOS BY ANA ALEXANDRINO

 “As pessoas não morrem, ficam encantadas” . Compartilhando, assim, com o Rosa da prosa, fica mais leve incursionar pelo rastro de ausência que os mortos deixam atrás de nós.

E foi instalando, dramaturgicamente,  a morte materna em si próprio que o autor, ator e diretor Álamo Facó retomou a tragicidade  dos últimos cem dias de sua genitora/artista,  a arquiteta Marpe Facó. 

Aqui, ele é ela ,nominada Marta. Ele é Lázaro, individualizando num mesmo personagem seus três irmãos. Ele é,  ainda, o passado e o presente de sua ambiência familiar.

Enfim , ele é a transubstanciação , em corpo e voz , de uma arquitetura cênica de metáfora, realidade e transformação.

Num sideral cenário , entre sombras e brumas, Bia Junqueira  sugestiona, sutilmente  , com cadeiras de acrílico ,  um leito  e um quarto hospitalar. Compatível com as despojadas nuances do figurino de Ticiana Passos.

Translúcido pelas luzes neon ( Felipe Lourenço) e solarizado pela  janela realística  do teatro, que o ator abre,  descortinando a paisagem externa.

Numa sequência aleatória, ora o protagonista assume , em enérgica gestualidade, a representação exaltada dos delírios maternos em estado terminal. Ora , relata, meticulosamente,  todo o processo clínico em torno do tratamento cancerígeno.

Ou dialoga, desmaterializado do seu ser existencial ,    com o imaginário personificado de suas interiorizações psíquicas . Sem nunca ceder ao melodramático de superficialidade lacrimosa, na concisão de um  texto de preciso  equilíbrio entre a razão e a emoção.

A tensão psicológica , ao transitar por um tema perigoso para mentes sensíveis, inibe uma maior interatividade, mesmo quando Álamo se despe de seus personagens , desmistificando a relação sujeito/objeto, palco/plateia.  

A sobriedade na linha realista assumida pela montagem, a densidade da entrega enquanto artista e personagem, a dor recalcada entre o insólito e a introspectividade, fazem de Mamãe um belo e digno  teatro de inventividade e reflexão.

O destaque de uma coerente direção de movimento( Luciana Brites) e  uma sofisticada direção musical( Rodrigo Marçal), tem  na veemência do duplo comando de Álamo Facó / Cesar Augusto o alcance de um vigoroso clima de performance.

Onde a suprema desolação humana – a perda fatal dos que amamos, alcança ,   aqui,  uma simbólica transcendência na catarse de um expressivo tributo teatral.



MAMÃE está em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, de sexta a domingo, 20h30m. 70 minutos . Até 30 de Janeiro.
EM NOVA TEMPORADA : Teatro do Leblon, sexta e sábado,às 21h; domingo,às 20h. Até 24 de abril.

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