O BEIJO NO ASFALTO: RECORTE MUSICAL DO AMOR DERROTADO

FOTOS BY RENATO PAGLIACCI

Mesmo tendo sido escrita há mais de meio século( 1961), O Beijo no Asfalto ainda tem seus ecos na contemporaneidade. O seu tema  continua atual – a manipulação midiática em torno do preconceito à homossexualidade .

E  seu fato  condutor – um beijo na boca entre dois homens –  está ,cotidianamente, presente em qualquer esquina,  com sua síndrome de  estranheza e rancor , ainda  para  muitos.

Justificado como “amor derrotado”, quando Nelson Rodrigues enveredou pelo tema,teve ,no seu entender,  a mais pura das intenções.

O personagem Alfredo,  atropelado fatalmente, “queria morrer sentindo o carinho de um ser humano e por isso quis ser beijado. Podia ser qualquer pessoa, o que lhe importava era o ato do amor”.

Presenciado por transeuntes, por seu sogro Aprígio ( Gracindo Jr.) e, ainda, pelo repórter Amado Ribeiro( Thelmo Fernandes), o gesto afetuoso de Arandir( Cláudio Lins) acaba servindo de estopim sensacionalista  para uma matéria  da imprensa marrom.

Na sequencia do episódio propulsor, vão se revelando as presenças de Selminha( Laila Garin), mulher do acusado, sua irmã Dália (Yasmin Gomlevsky) e a vizinha (Janaína Azevedo), no âmbito doméstico. 

Na repartição de Arandir, o colega homofóbico ( Gabriel Stauffer), e , no núcleo policial, o delegado Cunha( Cláudio Tovar)e seu   auxiliar Aruba( Jorge Maya) . Além, é claro, do morto ( Pablo Ascoli) que completa o elenco com outras  incidentais atuações ( Juliane Bodini, Ricardo Souzedo, Juliana Marins).

Embora a cenografia ( Nello Marrese) tenha a marca da sobriedade, sob luzes( Luis Paulo Nenén) vazadas,  há um meticuloso cuidado nos figurinos(Claudio Tovar). Convergindo em  funcional gestualidade (Sueli Guerra) e no  extremado requinte do score sonoro (Délia Fischer).

Os dezesseis segmentos musicais são alternados entre  canções autorais,de inspirada linha melódica, e citações de frases de tango, rap e samba (em especial de Dolores Duran). E aprofundam, visivelmente,  a maturidade do suporte  musical / dramático de Cláudio Lins.

Além do  habitual domínio corporal e vocal de Laila Garin, destaca-se a energia ferina de Thelmo Fernandes, o sotaque irônico de Cláudio Tovar, a nuance malévola de Jorge Maya e Gabriel Stauffer, mais a inquietude amarga de Gracindo Jr. e a falsa ingenuidade de Yasmin Gomlevsky.

O desafio de equilibrar em duas vertentes, musical e dramatúrgica,a integridade de um texto clássico  , é assumido na visível desenvoltura e rendimento cênico da direção de João Fonseca. Resistente,  mesmo na  sua  duração prolixa pela inserção paralela das canções, com ocasionais fissuras no impacto da trama original .

E, onde,  a atemporalidade  de seu discurso ideológico/ jornalístico, que  se estende às redes sociais,  encontra, também,  sua  contundência na  virtuosística exploração de um formato inédito no musical brasileiro.



(O BEIJO NO ASFALTO - O MUSICAL está em cartaz no Teatro das Artes, Gávea, quinta a sábado, 21h; domingo,20h. Até  20 de dezembro)

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