FOTOS BY MAURO KURY |
Existiria um conflito conceitual entre o que se poderia
chamar de teatro autobiográfico e o significado do personagem teatral ?
Quando o ator-autor expõe a si mesmo como
auto-performance-biográfica não desapareceria o sentido convencional do intérprete/personagem?
Este viés realista e documental não teria , por si só, um
caráter confessional quase às portas de um depoimento, seja literário ou
jornalístico, ao vivo?
Estas considerações aparecem em torno da proposta teatral de
Paulo Betti, com seu espetáculo solo “Autobiografia Autorizada” que, usando de irônico
humor, ainda provoca, na titulação da peça, a polêmica questão da censura às narrativas
biográficas.
De qualquer maneira, enquanto o texto e atuação são da lavra
de Betti, a direção é dividida a quatro mãos, com Rafael Ponzi , num convicto e
tocante espetáculo de temática
existencial.
Contando com uma
verdadeira pintura cênica na poética concepção de Mana Bernardes, sugerida nas velhas
folhas de papel amassado com projeções filigranadas de Marlus Araujo.
E, acentuado, ainda, pelas sutilezas ambientais da iluminação de Dani Sanchez e Luís Paulo Nenem. Com destaque pela adequação de matizes pastéis do figurino (Leticia Ponzi) e da envolvência nostálgica das incidências musicais (Pedro Bernardes).
E, acentuado, ainda, pelas sutilezas ambientais da iluminação de Dani Sanchez e Luís Paulo Nenem. Com destaque pela adequação de matizes pastéis do figurino (Leticia Ponzi) e da envolvência nostálgica das incidências musicais (Pedro Bernardes).
Este mergulho nas lembranças da fase, infância e adolescência, pobre
e difícil de/e por Paulo Betti é capaz, no tempo da memória, de
atributos expressivos certamente mais belos e incisivos que o realismo original do tempo
passado.
Na manhã da vida marcada pelo relógio familiar ,em companhia de uma prole imensa de quinze irmãos( dos quais Betti foi o último
rebento),pais e avós, numa desafiante e dura realidade de imigrantes italianos na
ambiência rural paulistana( Rafard e Sorocaba).
Anos de risadas e queixumes, alegrias e dores, crenças
religiosas e superstições, de temores e de libertária força diante do difícil
suporte da condição humana.
Marcados pela ancestralidade de uma época de adversidade
material mas recheada das surpresas
afetivas, tanto na primitiva matança de porcos como nas escutas radiofônicas ,
em meio à ingênua diversão de piões ou das
descobertas eróticas com Carlos Zéfiro.
Inteiramente tomado pelo personagem de si mesmo, com
entonação lírica , ora entre meios tons
,ora em entusiásticas vocalizações , Betti assume a postura alegre, naturalista e coloquial, dos velhos contadores de história.
E neste desnudamento testemunhal de episódios biográficos, na tríplice demanda -autor/ator/diretor - vai confundindo sua trajetória com a da criação, jogando com a identidade real e ficcional.
Num impulso estético/filosófico que une vida e arte, poesia e verdade, neste teatro de espelhos pirandelliano, onde cada espectador acaba, enfim, refletindo sobre seu próprio eu.
Num impulso estético/filosófico que une vida e arte, poesia e verdade, neste teatro de espelhos pirandelliano, onde cada espectador acaba, enfim, refletindo sobre seu próprio eu.
(AUTOBIOGRAFIA AUTORIZADA está em, cartaz na Casa da Gávea, sexta e sábado, 21h;domingo, 20h. 120 minutos. Até 13 de dezembro.)
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